Discernir a voz de Deus das outras vozes pode ser um grande desafio em meio a tantos ruídos com os quais vivemos hoje em dia.
Nunca se precisou tanto de silêncio e nunca se fez tanto barulho. O inimigo de Deus quer nos distrair e chamar a nossa atenção a todo o instante para que, exatamente, não ouçamos e/ou não saibamos discernir a Sua voz.
Quando Deus fala, Ele faz e Sua mensagem impacta, pois é a verdade.
O inimigo sabe muito bem disso e vai criar urgências para nos tirar do que é essencial, pois se fizermos várias coisas “urgentes”, as essenciais poderão ficar sem tempo para serem executadas e aí é que damos a brecha que ele precisa para agir em nossas vidas.
Por isso é necessário o silêncio. Deus fala na brisa suave, fala no íntimo de nossos corações, fala através das pessoas e das situações, como disse em outro texto, Deus fala em tudo. Isso já sabemos, mas como discernir a Sua voz?
“E eis que ouviram o barulho dos passos do Senhor Deus que passeava no jardim, à hora da brisa da tarde” Gn3,8
Primeiro, precisamos de intimidade. Para discernir a voz de Deus, é necessária a intimidade com Ele, assim como nas relações humanas. Ninguém sabe quem está falando se não conhece a pessoa, mas todos reconhecem a voz de sua mãe, de seu pai, ou outra pessoa de seu convívio cotidiano, mesmo em meio a outras vozes.
Adão e Eva haviam pecado, mas não haviam perdido ainda a intimidade com Deus, pois reconheciam o barulho de “Seus passos”, por isso se esconderam. Pecaram por terem dado ouvidos à outra voz que não era a de Deus. Desobedeceram e perderam a liberdade por escolha própria. Acreditaram na mentira e duvidaram da verdade.
“Quem te revelou que estavas nu?”Gn3,11
Precisamos depois, então, de obediência a Deus. Adão e Eva tinham intimidade, porém optaram em obedecer a outra voz. Como Deus mesmo pontuou: “Quem te revelou que estavas nu?”. E aí seguem as justificativas para convencer de que “a culpa é do outro”!
Quando nos justificamos, acende-se um sinal de alerta. A justificativa acaba sendo uma tentativa de convencermos mais a nós mesmos do que ao outro, por medo talvez de uma consequência desagradável.
Erramos, mas não queremos sofrer as consequências do nosso erro, então tentamos amenizar as coisas para nos esquivar do efeito dele. A obediência nos dá liberdade, enquanto a desobediência nos torna escravos.
Adão e Eva desobedeceram e tentaram se esconder da presença de Deus, assim não havia mais como permanecer no paraíso, eles escolheram sair antes de serem expulsos. Ou melhor, só foram expulsos porque antes escolheram sair.
“Sai e conserva-te em cima do monte na presença do Senhor: Ele vai passar.” “Depois do fogo, ouviu-se o murmúrio de uma brisa ligeira. Tendo Elias ouvido isso, cobriu o rosto com o manto, saiu e pôs-se à entrada da caverna. Uma voz disse-lhe: ‘Que fazes aqui, Elias?’”
Sem intimidade e obediência não há como ter um verdadeiro relacionamento com Deus, pois são essas coisas que nos farão discernir, em meio a tantas vozes, a voz do Senhor.
Nossa consciência, bem formada, também nos ajuda nesse discernimento, porém em meio às deturpações da verdade, muitas vezes deixamos também manchar nossa consciência com tantas justificativas que nos perdemos dela.
Para discernir a voz de Deus, é necessário voltar à Sua intimidade, ter uma vida de oração digna desse nome, manter a confissão em dia, viver os sacramentos, obedecer aos mandamentos de Deus e da Igreja. Sem essa fidelidade, será muito difícil ouvir, discernir e obedecer a voz do Senhor.
Talvez nunca estivemos em meio a tantos barulhos, tantos ruídos e vozes insistentes querendo nossa atenção e nossa servidão. Silenciar é questão de sobrevivência espiritual e mental. É nossa vida que está em jogo, e isso é muito sério. O amanhã ainda não existe e o passado já foi. O tempo é precioso, e o que foi perdido não será retomado. O que temos é o hoje!
E o que temos no hoje de nossa vida? Temos o socorro de Cristo que vem nos salvar das confusões de vozes que vivemos depois de expulsos do paraíso.
“Eu, porém, vos digo:” Mt5, 28.32.34.39.44
Jesus, no sermão da montanha, nos chama a atenção insistentemente sobre as outras vozes: “Ouvistes o que foi dito;” e acrescenta: “Eu, porém, voz digo:” Ele faz essa relação tantas vezes que se torna como um padrão no texto. Jesus não insistiria tanto se não fosse tão importante!
É como se ele nos dissesse hoje: “Estais dando ouvido a outras vozes, que muitas vezes dizem palavras que agradam e são fáceis de ouvir para atraí-los. Assim como o canto da sereia: atrai para afogar depois. Eu, porém, vos digo palavras de verdade e vida, que nem sempre são agradáveis e fáceis de ouvir, mas que se acolhidas, levam à felicidade eterna.”
Quando Deus fala, mesmo que palavras difíceis, há uma paz em nosso interior. Deixemos o Espírito Santo vir sobre o nosso caos, o ruído barulhento que insiste em dispersar nossa essência e confundir nosso caminho e ordenar tudo em nós, para que, silenciados, saibamos discernir e obedecer à Voz Original, a Voz do único e verdadeiro Deus que nos ama infinitamente mais do que imaginamos podermos ser amados.
Ouvindo o Verbo de Deus e Sua Igreja, acolhemos a salvação que Ele veio nos trazer e chegaremos à comunhão com Ele na eternidade.
Rosana Vitachi
Consagrada da Comunidade Católica Pantokrator