Em um mundo onde vemos o surgimento e desenvolvimento de “realidades” alternativas, fuga do dia-a-dia e “Trending Topics” vivemos por vezes perdidos no que é real ou “fake”, verdade ou mentira, realidade ou ilusão.
Inúmeros são os meios de transmissão de informação e cada geração tem sua forma mais eficaz. Antigamente se falava: “tem que se comparar ao menos 3 jornais diferentes para ver se a matéria é real”. Outra geração se acostumou a: “se passar na Globo é verdade”; outra geração conta a quantidade de seguidores para dar a veracidade do fato.
O tempo passou e vimos que, muitas vezes, os jornais tinham o mesmo grupo financiador e mostravam o que ele queria; que a TV retinha algumas informações em detrimento de outras e que personalidades usavam robôs para aumentar seus seguidores, falsificando suas personas na internet.
Em um mundo onde um post parece valer mais que a conversa pessoalmente, os “olhos nos olhos”, como viver e acreditar no que é real?
Avatares da Second Life
Lembro-me que no início dos anos 2.000 foi lançado um jogo chamado Second Life. Muito se falou de se esconder da vida e ter um subterfugio no game. Uma vida opiácia a partir de um jogo, um entorpecer dos problemas e da realidade da vida.
Interessante que criamos sempre esse local de fuga. Isso é saudável: um lazer, jogos, um churrasco em família, entre tantas outras coisas da vida, nos ajudam a nos desconectar dos problemas e, saudavelmente, nos preparar para encarar a vida. Por vezes dura e difícil.
Mas há uma linha que não pode ser rompida, não pode ser invadida – quando fugimos da realidade, quando criamos internamente, esquizofrenicamente, uma pseudo-realidade que nos lança longe do que devemos viver…
Hoje nos perdemos na singularidade de uma tela: como um Buraco negro, onde após o limite da singularidade¹ tudo é sugado e não mais sai desse local, nossas vidas, decisões, opiniões são por vezes sugadas e delineadas pelas virtualidades do celular, do computador ou de nossa mente.
Pense: quantas vezes aconteceu de julgar uma situação, pessoa, fato… de maneira errada? Quantas vezes achamos que estamos sendo perseguidos por “fulano”? Fulano olhou diferente para nós e, ‘pronto’, fulano está com inveja de mim! Fulano quer arruinar meu trabalho, quer minha vaga, meu marido, enfim, quer minha vida! Daí, ‘damos beijinho no ombro’ e, pomposa e soberbamente tocamos nossa vida.
E o fulano muitas vezes nem sabe quem somos!
Isso me lembra uma cena do filme Vingadores: Ultimato. A Feiticeira Escarlate encara raivosamente Thanos e diz: “Você tirou tudo de mim”! Ao que recebe o questionamento de Thanos: “Quem é você?”
Criamos monstros, tratamos nossos irmãos como verdadeiros vilões de uma novela, não, de um seriado mexicano, onde cada dia é uma nova temporada. Nos iludimos em nossas ações, nossos devaneios, nossos grupos de WhatsApp.
Achamos que, porque em nosso Instagram aparecem notícias, menções, promoções voltadas ao Corinthians, que todos os outros times estão perdendo torcedores. Que ao aparecer promoções, receitas, explicações veganas, os carnívoros estão se tornando uma raça em extinção.
Quantas vezes ouvimos (se não formos nós mesmos a) falar: “se eu fosse o Presidente faria tal coisa; se fosse o Papa mudaria tal coisa; se casasse com fulana não faria o que o marido faz com ela”. Iludimo-nos pela fraqueza e baixeza de nossos pensamentos, dos algoritmos das redes sociais, da bolha virtual em que vivemos.
Por vezes, os botecos de nossos relacionamentos estão cheios de soluções que, na prática da vida, na realidade, são inviáveis.
O que é a Verdade?
Com isso, podemos perguntar: então, o que é real? Não existe ilusão sem um toque de realidade; não existe mentira que engane sem um toque de realidade.
Para vivermos a realidade e sairmos da ilusão é necessário querer a verdade. Não apenas uma situação, mas A Verdade.
“Respondeu Jesus: “Sim, eu sou rei. É para dar testemunho da verdade que nasci e vim ao mundo. Todo o que é da verdade ouve a minha voz”. Disse-lhe Pilatos: “Que é a verdade?…” (Jo 18, 37b – 38a).
Pilatos via uma única coisa: o Império Romano. Se ele não resolvesse o problema de Jerusalém, o imperador o mataria. Essa era a realidade dele, mas não era a Realidade. A Realidade é que o Filho de Deus, o Cristo, o Ungido, estava ensanguentado na frente dele. Aquele sangue escorria para resgatar a vida e a alma de Pilatos! Mas ele escolhe a ilusão do Império.
Muitas vezes escolhemos a ilusão do:
- O que os outros vão pensar?
- O que falarão de mim?
- E se meu irmão não aceitar meu pedido de perdão?
- Se ela recusar meu pedido de namoro?
- Se eu não aguentar a continência?
- Se eu não der conta da dieta?
Não olhamos a verdade da situação e nos perdemos no julgamento ilusório que criamos. Achamos que estamos com todos os holofotes da vida, enquanto na verdade, muitas vezes, quem está em volta nem sabe quem somos.
Para sair da ilusão e ir para a realidade são necessários alguns passos:
- Uma verdadeira e profunda vida de oração:
Não falo aqui de apenas rezar o terço ou ao santo de devoção, mas de se encontrar com Deus no íntimo de si mesmo; de parar alguns minutos de nosso dia para falar com Deus e ouvi-Lo.
2. Uma vida frequente dos sacramentos e sacramentais:
Buscar frequentemente a confissão, a comunhão eucarística, a adoração ao Santíssimo Sacramento; aspergir-se com água benta, rezar com a Cruz e se resguardar em Deus.
3. Viver com os irmãos sincera e fraternalmente:
Deus nos deu pessoas mais próximas, irmãos na caminhada de fé e a eles podemos nos confiar. Buscar alguns irmãos para partilhar mais profundamente nossas vidas e nos ajudar quando não damos os passos firmes e retos na fé, na vida do dia-a-dia, no trabalho, etc.
Firmes na oração, na vivência da fé e unidos com os irmãos de caminhada poderemos ter mais clareza do que é a realidade que vivemos. O perigo de uma vida isolada, esquizofrênica nas relações com os outros ou mesmo na relação com Deus é extirpado quando vivemos sincera e profundamente esses passos.
[1] Na astrofísica, a velocidade de escape é a velocidade mínima necessária que um objeto necessita ter para conseguir escapar da atração gravitacional de um corpo celeste. A velocidade de escape da Terra é de 11,2 km/s. A velocidade de escape de um buraco negro seria maior que 300.000 km/s, ou seja, maior que a Luz. Com isso, conclui-se que nada escapa do Buraco negro, uma vez que algo ultrapassa a singularidade.
Leonardo Pataro
Consagrado da Comunidade Católica Pantokrator