Pentecostes na vida cristã

Na Solenidade de Pentecostes celebramos a festa da Igreja, que nasceu do lado aberto de Cristo e manifestou sua missão no dia de Pentecostes. A Igreja nasce, não de organizações e instituições, mas da força carismática, do carisma que Deus infunde no coração e nos lábios daqueles apóstolos. Depois de ter passado quarenta dias com seus discípulos, Jesus Ressuscitado subiu ao céu. E no quinquagésimo dia, enviou o Espírito Santo. Ele prometeu esse envio. Jesus desejou esse envio, precisava desse envio para ficar para sempre conosco. Justamente por isso, o fim último da economia da salvação no desígnio do Pai foi o envio do Espírito Santo. Com isso se conclui essa fase da economia salvífica e é inaugurado o tempo da Igreja, a última fase da história da salvação.

A liturgia dessa Solenidade é carregada de significado para nós hoje, que vivemos num mundo em discórdia e divisão, imerso num secularismo que despreza o sagrado, desconhece Deus e por isso está agonizando, por falta de amor. Mas, não só numa dimensão social mais ampla. Também numa esfera mais intimista, nós, em nossas vidas, semeamos discórdias, e muitas vezes sem perceber. A Solenidade de Pentecostes é a solenidade do Amor.

Pentecostes na vida cristã

O relato dos Atos dos Apóstolos (cf. At 2,1) mostra que já havia uma festa de Pentecostes no judaísmo e foi durante essa festa que o Espírito Santo desceu sobre os apóstolos. Na verdade, considerando a economia salvífica, o Pentecostes judaico preparou o Pentecostes cristão. Houve duas interpretações da festa de Pentecostes no Antigo Testamento. No princípio, era a festa das sete semanas, a festa da colheita, no qüinquagésimo dia depois da festa da páscoa judaica. Daí o nome Pentecostes, que significa “qüinquagésimo dia”, quando se ofereciam a Deus as primícias do trigo; mas com o tempo, e certamente no tempo de Jesus, a festa foi enriquecida de um novo significado: era a festa da entrega da Lei no monte Sinai e da aliança. Se o Espírito Santo vem sobre a Igreja precisamente no dia em que Israel celebrava a festa da Lei e da aliança, é para indicar que o Espírito Santo é a lei nova, a lei espiritual que sela a nova e eterna aliança em Cristo Jesus. Uma lei escrita já não sobre tábuas de pedra, mas em tábuas de carne, que são os corações dos homens. Podemos até imaginar de que tratavam os apóstolos nessa reunião. Além de celebrarem aquele dia de Pentecostes, fazendo orações etc, com a Escritura na mão, refletiam com certeza sobre o que significava aquele sumiço de Jesus e o cumprimento de sua promessa, que aguardavam. O livro dos Atos dos Apóstolos realça esse momento como de esplêndida “iluminação” dos discípulos – verdadeira “explosão” do Espírito Santo; o texto chega a usar uma linguagem fantástica e impressionante. Fala de um barulho vindo do céu “como se fosse uma forte ventania”, para mostrar o poder com que o Espírito Santo agiu.

Santo Agostinho dizia que aquelas línguas faladas pelos que estavam repletos do Espírito Santo prefiguravam a futura Igreja, que haveria de estar entre as línguas de todos os povos. O fenômeno das línguas é o sinal de que algo novo ocorreria no mundo. O surpreendente é que este falar em “línguas novas e diversas”, em vez de gerar confusão, cria ao contrário um admirável entendimento e unidade. Com isso, a Escritura quis mostrar o contraste entre Babel e Pentecostes. No acontecimento da Torre de Babel (cf. Gn 11,1-9), todos falam a mesma língua e em certo momento ninguém entende já o outro por causa da soberba, do desejo de poder; nasce a confusão das línguas Cada um busca a sua glória; em Pentecostes cada um fala uma língua diferente mas todos se entendem. Em Pentecostes os apóstolos proclamam, ao contrário, “as grandes obras de Deus”. Não pensam em se fazer grandes, mas em exaltar a Deus; não buscam sua glória, mas a de Deus. Por isso todos os compreendem. Deus voltou a estar no centro; a vontade de poder foi substituída pela vontade de serviço; a lei do egoísmo foi substituída pela lei do amor. Santo Agostinho diz que a humilde piedade dos fiéis recolheu a diversidade dessas línguas na unidade da Igreja; a caridade reuniu aquilo que a discórdia tinha espalhado. E os membros dispersos do corpo humano, como membros de um único corpo, voltam a ser unificados na única cabeça que é Cristo, fundidos na unidade de seu Santo Corpo pelo fogo do amor que destrói toda divisão. Reina a comunhão que gera unidade. A Igreja é expressão de unidade, não de uniformidade, mas unidade na diversidade, possível pela comunhão e pelo diálogo. Essa é a primeira mensagem de Pentecostes para nós hoje: a unidade pela comunhão. Para expressar isso, a semana de oração pela unidade dos cristãos culmina justamente com a Festa de Pentecostes. Porque o Espírito Santo é a “alma” da Igreja, é o calor de nossa fé e de nossa comunhão eclesial…

O sentido de Pentecostes se contém na frase dos Atos dos Apóstolos: “Ficaram todos cheios do Espírito Santo” (At 2,4). Os apóstolos tiveram uma experiência fundante e envolvente do amor de Deus, sentiram-se inundados de amor, como por um oceano. É isso o que os escreve São Paulo, aos romanos: “o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5) .O primeiro efeito que o Espírito Santo produz quando chega a uma pessoa é fazer que ela se sinta amada por Deus, por um amor muito terno, profundo e infinito. A onipotência de Deus não está em mover montanhas, mas na força do amor. Porque somente o amor pode tudo. Foi o amor que nos salvou. Deus é amor. O amor livra-nos do medo, como fez com os apóstolos. De medrosos passaram a ter coragem; as circunstâncias à sua volta, ou seja, a hostilidade dos judeus não havia mudado. Pentecostes foi um movimento de Deus no coração deles e a partir daí tudo mudou. A segunda mensagem para nós é a da esperança; o Espírito Santo vem renovar a nossa vida, fazer-nos novas criaturas, enche-nos de coragem e esperança, apontando para um novo rumo.

No Evangelho que se proclama nesta liturgia, vemos que antes de soprar sobre eles o Espírito, Jesus disse: “Como o Pai me enviou, também eu vos envio!” (Jo 20,21) – a terceira mensagem é o anúncio: de discípulos somos convocados a ser missionários, ideia tão explorada pelo recente Documento de Aparecida. O lugar da missão é o mundo sedento de Deus, que ignora muitas vezes que sua sede é de Deus. Isso porque não conhece Deus, não teve experiência profunda de Deus. Vivemos um tempo em que se faz urgente salvar vidas com atitudes concretas, pequenas, simples, mas ousadas, atitudes que levem as pessoas a perceber a sua alta dignidade de filhos de Deus e o sentido de sua vida.

No final da Celebração de Pentecostes, após a comunhão, há ainda algo significativo previsto na liturgia: procede-se ao Rito para apagar o Círio Pascal. O Círio Pascal, que traz a luz de Cristo e nos acompanhou durante todo o tempo Pascal que se encerra em Pentecostes, é apagado. Isso porque aquela luz agora, pela graça e força do Espírito, estará dentro de nós. Nós somos a luz de Cristo, enviados por Ele como missionários anunciadores da paz, da unidade, da comunhão, da esperança, do amor. Saímos da Celebração Eucarística de Pentecostes repletos do Espírito Santo, para anunciar Jesus Cristo, para revelar ao mundo de hoje o verdadeiro rosto de Jesus Cristo, que o mundo não conhece, como tem sempre repetido o Papa Bento XVI. O mundo secularizado, egoísta, dividido pelos mais diversos tipos de guerra, triste e faminto de sentido, precisa urgentemente conhecer Jesus Cristo, que é mais do que uma Pessoa. Jesus Cristo é um acontecimento capaz de mudar totalmente as nossas vidas. E é o Espírito Santo que nos dá a conhecer Cristo Jesus e seu maior desejo (cf. Jo 17,20-26): a unidade.

Com razão, São Serafim de Sarov, místico e monge russo (1759-1833), afirmava que “o verdadeiro objetivo de nossa vida cristã é a aquisição do Espírito Santo de Deus”. Jesus prometeu que o Pai celestial dará o Espírito Santo a quem o pedir (cf. Lc 11,13). Precisamos assumir em nossas vidas concretamente aquilo que celebramos, pois é para isso que celebramos. Então, vamos pedir! A liturgia de Pentecostes nos oferece magníficas expressões para fazê-lo: “Vinde, Espírito Santo… Vinde, Pai dos pobres; vinde, doador dos dons; vinde luz dos corações. No esforço, descanso; refúgio nas horas de fogo; consolo no pranto. Vinde, Espírito Santo!”.

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Kátia Maria Bouez Azzi
Consagrada da Comunidade Católica Pantokrator, Teóloga e Filósofa

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