DEVOÇÃO NÃO É SENTIMENTALISMO

A devoção é um aspecto importantíssimo da nossa religião católica. Os fiéis sempre foram incentivados, ao longo da história, a cultivarem uma vida devota e pautada em um autêntico amor a Deus.

De fato, os santos são os primeiros quando se trata de enaltecer o valor da devoção. Note-se que o livro mais famoso de São Francisco de Sales tem o título de “Introdução à vida devota”, e que São Luís Grignion de Montfort escreveu o ilustre e importantíssimo “Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem”.

No entanto, o mundo moderno parece ter perdido o verdadeiro significado da devoção. Até mesmo entre os católicos é possível notar uma certa visão distorcida sobre o tema, como se apenas as “velhinhas de igreja” devessem levar uma vida devota.

Geralmente associamos a devoção com gestos exaltados, pessoas emocionadas e orações arrepiantes. Logo, se sou uma pessoa mais tímida ou reservada, “não sirvo para ser devoto”. Outro, que comparece à Igreja apenas uma vez por ano (no dia da sua padroeira preferida, por exemplo) e que derrama muitas lágrimas, se considera um autêntico devoto.

É preciso desfazermos essa caricatura e acolher uma verdade importantíssima: todos são chamados a ser devotos, independentemente do temperamento ou do estado de vida. Devoção e sentimentalismo não se confundem, apesar da crença popular neste sentido.

O QUE É DEVOÇÃO, AFINAL?

Muitos conceitos poderiam ser utilizados para definir a verdadeira devoção. Porém, de maneira bem simples e sem qualquer pretensão de esgotar o tema, poderíamos dizer que a devoção é uma disposição viva e constante da alma que quer praticar o bem e agradar a Deus com todas as suas forças

A pessoa devota não se contenta com seguir os mandamentos ou evitar os pecados graves. Para muito além disso, ela tem sede de uma intimidade maior com Deus e deseja vê-Lo honrado e louvado em todas as coisas. Em resumo, a vida devota é aquela vivida com uma única finalidade: amar a Deus ardentemente.

São Francisco de Sales, mestre sobre o tema, explica que a devoção é mais preciosa do que a caridade, pois é um passo além. Ele escreve na Filotéia que “a caridade nos faz observar todos os mandamentos de Deus sem exceção, e a devoção faz com que os observemos com toda a diligência e fervor possíveis. Todo aquele, portanto, que não cumpre os mandamentos de Deus não é justo e, muito menos, devoto. Para se ser justo é necessário que se tenha caridade e, para ser devoto, é necessário ainda por cima que se pratique com um fervor vivo e pronto todo o bem que se pode (Capítulo I).

Ou seja: rezar o terço é bom, mas rezá-lo com atenção para agradar à Virgem Santíssima, é melhor ainda! Participar da Missa já é maravilhoso, mas participar dela sem distrações e em clima de oração, é indiscutivelmente mais valioso! A devoção é um “tempero” a mais que colocamos nos nossos atos, é a “cereja do bolo” que torna as nossas ações ainda mais agradáveis ao coração de Deus.

MAS E SE EU NÃO SENTIR NADA DISSO?

O segredo da devoção é que ela reside na fé e no desejo de agradar a Deus. Ainda que a pessoa esteja vivendo um “deserto” e tenha enorme dificuldade de se concentrar na oração, ela é capaz de fazer atos devotos quando coloca o coração naquilo que está fazendo – mesmo que isso não lhe cause “sensações” agradáveis ou emoções visíveis.

Um exemplo luminoso disso é Santa Teresinha do Menino Jesus. No final de sua vida, ela suportou aquilo que chamou de “a tentação dos grandes ateus”, ou seja, o diabo queria roubar sua fé. Ela já não conseguia “sentir” nada durante suas orações, passando por aquilo que São João da Cruz chamaria de “Noite Escura do espírito”.

Mas foi justamente nestes momentos de secura que a santa demonstrou os maiores sinais de devoção. Absolutamente tudo o que Teresinha fazia era por amor a Deus. Escreveu, inclusive, diversos poemas para exaltar o amor de Jesus! Ela tinha uma fé viva de que, “por trás das densas nuvens, ainda havia o Sol a brilhar”.

Veja o que Santa Teresinha escreveu à sua Madre, ao explicar sobre a fase que atravessava: “Madre muito amada, talvez pareça que eu exagero demais minha provação. De fato, se julgardes pelos sentimentos que manifesto nas pequenas poesias que compus este ano, devo parecer-vos uma alma cheia de consolações, para a qual o véu da fé quase se rompeu. E no entanto… para mim, já não é um véu, é um muro que se ergue até os céus e encobre o firmamento estrelado… Quando canto a felicidade do Céu, a posse eterna de Deus, não sinto nenhuma alegria, pois canto simplesmente o que QUERO CRER (História de uma alma).

NÃO EXISTE DEVOÇÃO SEM A DECISÃO DE AGRADAR A DEUS

Equivocam-se aqueles que pensam que a devoção só se exerce com um véu na cabeça ou uma estola em volta do pescoço. O verdadeiro devoto é aquele que consegue encontrar mil maneiras de dizer “eu te amo” a Deus, mesmo sem precisar usar as palavras.

Ao invés de fazer uma vênia apressada ao passar pelo altar, faça uma verdadeira reverência sabendo que está passando pelo Rei dos reis. Ao invés de acessar as redes sociais logo após o despertador tocar, experimente respirar fundo e louvar ao Senhor pelo dom da vida!

Ler a Bíblia com um profundo respeito, sabendo que aquilo é Palavra de Deus; fazer um sinal da cruz compenetrado ao passar por uma igreja; dobrar os joelhos e a própria alma no momento da Consagração da Missa… todos os atos (que muitas vezes já fazemos distraidamente) podem ser realizados com um propósito novo.

A santidade consiste em crescer gradualmente na devoção. Os santos não necessariamente rezavam o dia inteiro, mas quando rezavam era da maneira mais devota possível. Que a Virgem Santíssima nos ensine a sermos esses “verdadeiros adoradores (devotos) que o Pai procura” (cf. Jo 4, 23).

 

Rafael Aguilar Libório
Consagrado da Comunidade Católica Pantokrator

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