André Luís Botelho de Andrade
Fundador e Moderador Geral da Comunidade Católica Pantokrator
Essas palavras de João escondem um dos mais lindos mistérios de Deus: o de Sua encarnação. Deus, na segunda Pessoa da Santíssima Trindade, assume a natureza humana, nasce e vive no meio de nós compartilhando nossas dores e alegrias. Mas, sobretudo, pela encarnação, o Verbo revela aos homens o Pai, fala-nos do Pai pois Ele é a Palavra do Pai. Mas o que é ser a Palavra do Pai?
Não somos a religião do livro!
Nós, cristãos, mal acostumados, imediatamente pensamos nas Escrituras ou Bíblia quando se fala da “palavra de Deus”. A Bíblia é, na verdade, um livro, ou melhor, um conjunto de livros (o nome Bíblia vem do grego Biblos, que se traduz por conjunto de livros). Isso significa que, como todo livro, ela é um conjunto de folhas sobrepostas, nas quais está redigido um pensamento. Esse escrito ainda não é o pensamento, o conhecimento propriamente dito, mas a expressão escrita do mesmo. Aqui já podemos começar a entender o surpreendente parágrafo 108 do Catecismo: “Todavia, a fé cristã não é uma ‘religião do livro’. O cristianismo é a religião da ‘Palavra’ de Deus, não de um verbo escrito e mudo, mas do Verbo encarnado e vivo. Para que as Escrituras não permaneçam letras mortas, é preciso que Cristo, Palavra Eterna de Deus vivo, pelo Espírito Santo, nos ‘abra à compreensão das Escrituras”. A palavra de Deus é muito mais do que um livro, simplesmente. É o pensamento, o conhecimento do Pai que se personifica no Filho, o Verbo, que procede do Pai e Se encarnou para nos revelar o Pai.
Ele, o Verbo, que está junto do Pai e era Deus, Se fez homem sem deixar de ser Deus, para revelar-nos o Pai com imagem, voz e linguagem humana. Ora, para Deus Se revelar aos homens, era preciso que Ele assumisse a roupagem humana, falando de forma humana. Por isso, o cristianismo, a Igreja, não é a religião de um verbo ou palavra escrita e muda (que por si mesmo não possui vida, pois é um papel escrito), mas da Palavra, do Verbo, Jesus vivo.
Ele é a Palavra e, onde quer e de que forma Ele Se apresente, comunicando-nos o Pai, por nós deve ser acolhido com especial veneração. Se em um livro está Cristo escrito, se em um ícone está Cristo pintado, se na liturgia está Cristo celebrado e se na Tradição da Igreja está Cristo oralmente ensinado, onde está Cristo, está Deus e onde Ele está deve ser venerado por nós como algo sagrado. Ora, se veneramos o livro porque nele, Cristo está escrito, o ícone, porque nele, Cristo está pintado etc, que apreço não devemos ter pelo próximo, no qual está Cristo vivo (Mt 25,40) e, mais ainda, pelos santos, nos quais está Cristo vivo e vivido!
Para quem quer a verdadeira Palavra de Deus
Ora, com tudo isso, que contradição não acontece nas “religiões de um livro”, que acusam os católicos de idolatria, por encontrar Cristo, em todas as expressões acima mencionadas! Quem estaria mais próximo de uma idolatria: nós, que veneramos tais expressões de Deus, ou aqueles que fazem do livro a própria palavra de Deus, como se livro fosse o próprio Verbo, e como se fosse possível encerrar na letra toda a revelação de um Deus?
O que dizer? Desvalorizar a Bíblia? Muitíssimo ao contrário! Neste livro, ou neste conjunto de livros, está o Verbo escrito. Se a Palavra de Deus não é a Bíblia, a Bíblia é Palavra de Deus. É neste mesmo livro que lemos “o Verbo era a verdadeira luz, que, vindo ao mundo, ilumina todo homem” (Jo 1, 9). Portanto, nesse livro, único, podemos encontrar Deus, luz dos homens, fonte de toda a vida.
Enfim, o Senhor várias vezes compara a Palavra com a semente. Por exemplo, em Lc 8, 4-18. A semente é um pequeno grão, de onde brotará uma frondosa árvore. Quem diria, sem ver a árvore que brotou da semente, que, de algo tão pequeno nasceu uma vida tão grande? Semelhante “milagre” acontece com a Palavra de Deus. Nós a vemos, não na sua divindade, mas nas suas diversas expressões humanas, materiais. Assim, nestes pequenos grãos, como a Bíblia, se esconde a frondosa árvore da vida; o Verbo, Jesus. Se quisermos que esse milagre (agora sem aspas) aconteça, basta semear essas pequenas sementes com fé, cultivá-las com verdadeiro zelo, para que, com a Graça do Espírito Santo, possamos colher delas Jesus vivo, que comunica a nós toda a fonte inesgotável da vida do Pai, O Autor de toda vida.