Há algumas semanas, nos ofícios da Semana Santa, ouvimos mais uma vez, com piedade, o relato pungente da Paixão e Morte de Jesus Cristo. Como é natural, no decorrer da longa leitura, a gente é levado a ir fazendo, uma ou outra vez, flash forwards para ver como isso se aplica aos nossos dias.
Nas leituras deste ano, tendo fresca na memória o vozeirio mediático contra o Papa Bento XVI e contra o arcebispo de Recife, era impossível não ver o paralelo entre essa algazarra e as vociferações da multidão enfurecida que insultava Nosso Senhor sem motivo, manipulada como estava, por um punhado de fanáticos fariseus.
E lembrava-me, então, de um episódio da vida de S. Pio X, o grande papa do início do século XX, que combateu valorosamente a ofensiva anti-católica de laicistas ferrenhos. Mesmo sendo Papa, ele costumava dar aula de catecismo às crianças aos Domingos. Numa dessas ocasiões, ele perguntou aos seus alunos: “Quais são as notas distintivas da Igreja?” Aos poucos, os meninos foram lembrando o que eles tinham decorado: – “Una” – “Santa” –”Católica” –”Apostólica”. Mas o Papa insistia em que ainda faltava uma nota característica da Igreja e, diante do silêncio geral, disse entristecido algo que não estava escrito no catecismo: “– Perseguida”.
Assim como Jesus Cristo foi perseguido porque fazia o bem – e não apesar de fazer o bem, como a gente é levada ingenuamente a achar – por não conhecer até o fundo a malícia dos maus – que os seus discípulos têm também que ser perseguidos pelo bem que fazem, porque ainda hoje os maus não suportam o bem.
O Evangelho não é mais fácil de viver e de ser proclamado hoje do que o foi no passado. E assim como os profetas do Antigo Testamento eram lapidados por lembrarem ao povo as verdades eternas das quais tinham se afastado, também nos nossos dias, a Igreja deve assumir essa função profética e proclamar as verdades que doem.
Pela voz do Sucessor de Pedro, que toma o lugar de figura de proa da sua nave, a Igreja enfrenta as ondas como elas se apresentam especificamente em cada era histórica. Nos nossos dias, é a questão do aborto e do preservativo; amanhã será o “casamento” homossexual e a eutanásia. A respeito desses desafios éticos, a Igreja não pode se calar. Ela faltaria com a sua missão profética se sua voz não fosse ouvida, por timidez, covardia ou compromisso.
Já no sermão da Missa inaugural do conclave que o elegeu, o papa Bento XVI tinha denunciado o que chamou de “ditadura do relativismo”, ou seja, a intolerância das correntes ideológicas e dos governos que, em nome de uma democracia sem princípios, pretendem impor, à maioria da população honesta, os anti-valores de uma minoria que controla os megafones da grande mídia.
Não é de estranhar que essa mesma mídia tenha ficado à espreita, a espera do momento de poder atacar esse homem que diz verdades incômodas. A tolerância tão reivindicada cedeu o lugar para a má fé, a arbitrariedade e a mentira, máscaras da ferocidade.
Porque Bento XVI levantou a excomunhão de quatro bispos, um dos quais tinha feito declarações ridículas negando a perseguição nazista contra os judeus, levantou-se uma gritaria que não hesitou em caluniá-lo, acusando o Papa de ter pertencido voluntariamente à Juventude Nazista! Apesar de ele ter escapado da unidade militar na qual fora engajado pelas suas autoridades em virtude do estado de guerra…
Porque, na África, denunciou os estragos produzidos pela promoção do preservativo – a promiscuidade sexual, particularmente entre os jovens, e a difusão da Aids como resultado dessa promiscuidade – foi acusado de assassino! Apesar das evidências científicas de que, nos países africanos em que é promovida a abstinência sexual dos jovens e a fidelidade matrimonial dos casados, a incidência da Aids ser muito menor do que nos países que promovem o falacioso “sexo seguro”…
Porque Dom José Cardoso Sobrinho declarou que estavam automaticamente excomungados os médicos que praticaram o aborto na menina de Recife, e todos os que colaboraram diretamente com sua realização, do mundo inteiro, ouviu-se uma “orquestração” acusando-o de não ter compaixão! E quem teve compaixão das crianças abortadas?
O linchamento mediático e a cegueira emocional que o acompanha condenaram impunemente princípios sagrados e gestos prudentes, que foram apresentados de maneira caricatural e deformada, sem dar nenhuma possibilidade à outra parte de esclarecer os equívocos e sequer fazer uma apresentação objetiva da realidade.
De nada serviu, por exemplo, que alguns dias depois do linchamento mediático de Bento XVI pelas suas declarações na África, o Diretor do projeto de investigação da prevenção da Aids da prestigiosa universidade de Harvard, o Prof . Edward C. Green, dissesse: “O Papa têm razão. Ou, para responder com toda precisão: a melhor evidência de que dispomos confirma as palavras do Papa”. Quantos jornais e noticiários de rádio e televisão transcreveram essas declarações?
De que adiantou que fossem apresentadas estatísticas mostrando que, na Uganda, primeiro país a combater resolutamente a Aids baseado na abstinência e na fidelidade conjugal, por exigência do Presidente Museveni, a porcentagem de pessoas afetadas tenha baixado de mais de 25% no início de 1990, para 6% em 2002, enquanto na África do Sul, onde se faz a distribuição massiva de preservativos, passasse de 0,81% de doentes em 1991 para 24,81% em 2001? Quem é realmente o assassino?
Contudo, ainda hoje, quando é dado aos fariseus a possibilidade de escolher entre Nosso Senhor que “passou fazendo o bem” e o malfeitor Barrabás, eles preferem Barrabás. Ainda que as estatísticas provem o contrário.
José Antonio Ureta – jornalista
ureta.jose@gmail.com