São Paulo se admirava do mistério da Igreja porque na Comunidade dos discípulos de Jesus descobriu a maravilha do dom de Deus. Segundo a Carta aos Efésios, Deus tem um plano de salvação e que ruma humanidade segundo o seu coração. A humanidade foi reconciliada pela morte e ressurreição de Jesus Cristo que, vencendo o ódio, tornou possível a toda pessoa humana compartilhar o único vínculo essencial: o ser filhos de Deus. Para o Evangelho segundo São João, permanecer no amor de Cristo é o fundamento do ser cristão e o cume mesmo da história da salvação. Santo Tomás de Aquino dizia que a vida eterna consiste em que os nossos bens são compartilhados por todos e que a alegria de alguém é a alegria de todos, do que a Igreja é antecipação. Santa Catarina de Sena concebia a Igreja como esposa de Cristo a qual Jesus, como Esposo apaixonado, Se dá totalmente para que tenha vida e dignidade de Esposa e partilhe dos bens do Esposo. Os bens do Esposo são Deus mesmo e toda a humanidade reconciliada por Sua morte e ressurreição.
A Igreja é um corpo vivo. É uma comunidade: a comunidade de Deus por Jesus Cristo no Espírito. Isso quer dizer que nós, cristãos, estamos dentro do âmbito do que Deus é. Nossa natureza se radica no fato de que adquirimos o olhar de Cristo sobre o mundo e sobre Deus. Esse olhar é unicamente amor. O Espírito de Deus, que é amor, está impelindo as comunidades cristãs a uma renovação. As mudanças, de fato, já estão se dando, estão marcados pelo sinal de uma maior fidelidade a Cristo. Trata-se de fazer Jesus Cristo crível, para fazer crível o projeto de Deus. E o projeto de Deus é que todo homem e toda mulher participem de Sua glória, integrando-se em seu mistério de Amor. O essencial não pode mudar. O antigo precisa ser revisado, o novo precisa ser acolhido e o que não serve será descartado. Mas em tudo deve prevalecer o critério do amor. E o amor transforma a partir de dentro, sem violências ou rupturas.
O Mistério do Amor
Vivendo na Igreja, é possível amar a fundo, sem compreender tudo. Quando o amor é verdadeiro não há limites nem fronteiras. Ama-se sempre, inclusive além da morte. Por isso o amor é imortal e só quem ama é capaz de permanecer vivo. Quem tem o coração cheio de amor é capaz de ver maravilhas e é capaz de sentir de uma maneira diferente. Quem ama não filtra a realidade, mas a capta, a acolhe, a sublima e a transforma em beleza indescritível.
Amar não é fácil. Supõe lançar um olhar ao longe, supõe abrir-se ao inesperado e desejar inundar-se da luz que há à volta. Supõe guardar silêncio e comunicar-se com essa linguagem que poucos dominam. Amar, em si mesmo, já é comunicação. Na realidade, é a única comunicação verdadeira, sem mentiras sem obscuridades, sem incompreensões, em diálogo e respeito pelas diferenças. Para aquele que ama, o outro sempre é um dom de Deus, uma oportunidade para fazer crível a morte e ressurreição de Cristo.
Amar é abrir a vida inteira a tudo e a nada em concreto. É ter um olhar de gratuidade sobre o ambiente à volta e ter abertas as portas de par em par à recepção e ao encontro. Aquele que ama não tem medo, nem rancores, nem limites, nem vazios, nem cansaços, nem solidão, nem cegueiras, nem escravidão. O amor é como um ímã que atrai mil virtudes, e também mil riscos, porque amar é arriscar a vida e comprometer a existência numa liberdade vertiginosa, numa embriaguez de sensações que escapam à maioria e que são impossíveis de reduzir a conceitos. O amor tem uma linguagem universal, por isso, aquele que ama não vê barreiras ou obstáculos, ainda que a vida se lhe escape. Aquele que ama não teme, simplesmente vive. Quem ama se põe na perspectiva do divino.
Não é possível viver sem amor. Quem não tem amor não vive, já morreu. Quem não tem amor anda nas trevas, foge de tudo, não se sente bem nem consigo mesmo e é escravo de si mesmo. Quem não ama está cego, porque a luz não ilumina seus olhos e seus olhos são incapazes de ver a luz com todas as nuances e dimensões. Amar é dar-se na simplicidade, sem esperar retorno ou reciprocidades imediatas. Como o Pai se dá ao Filho no Espírito e Deus todo se derrama sobre os seguidores de Cristo.
Amar é dar a vida para o outro, seja quem for este outro. Há dor no amor, mas é uma dor que purifica, que faz crescer. Quando se ama alguém de modo especial, tudo ganha sentido. A própria existência revela plenitude e alegria, mesmo em meio às dificuldades, porque a pessoa que ama é reconhecida e, ao ser reconhecida, é amada e sua vida se enche de sentido. A partir de Cristo, todo homem e mulher é um dom de Deus.
Por isso só é possível ver Deus a partir do amor, porque Ele ama com toda a gratuidade. A pessoa que é capaz de amar assim, gratuitamente, entra no âmbito da perfeição porque penetra no mistério do essencial, do verdadeiro e do infinito.
O amor não tem fim, não pode ter porque está aberto ao infinito. O amor facilita o encontro e o encontro é sempre curador. Deus é amor, Ele amou primeiro. Captar Sua presença e Sua beleza, Sua força e a luminosidade de Seu olhar… Captar que quem é capaz de abrir-se ao amor por completo é capaz de começar a viver plenamente, ainda que arriscando-se a morrer, porque quem ama não morre, mas vive para sempre, além da fronteira do mistério.
Amar e ser amado, em pura gratuidade. Abrir-se ao encontro e deixar-se encontrar. Dar de si mesmo e receber. Descobrir e ser descoberto. Dar a vida e encontrar-se vivendo. Aí está a força mesma do Reino de Deus. E a Igreja não é outra coisa que o espaço humano no qual Deus Se faz visível e no qual os homens e as mulheres se acolhem em unânime pluralidade sem fragmentações.
Amor: fundamento da comunidade cristã
A razão de ser da comunidade cristã é, em primeiro lugar, que cada homem ou mulher cresça no conhecimento de Cristo e O siga revestido de Seu Espírito. Em segundo lugar, ser toda ela um sinal do Amor. E, vivendo no Amor, pela participação de todos, cada um segundo suas possibilidades, trabalhar na construção do Reino de Deus. A recompensa é entrar na intimidade de Jesus, plenificar a vida de sentido e participar, desde agora, do Reino de Deus que já está em nós.
O rosto de Deus é o rosto do Amor, por isso só o Amor revela Deus vivo e O torna visivel. Por isso quem vive o amor se converte, sem querer, em transparência de Deus. Pelo Batismo somos revestidos de Cristo e configurados com Ele pelo espírito. O Espírito Santo faz do batizado um templo de Deus e um sinal da humanidade nova. A Eucaristia nos configura e compromete como Igreja de Deus. A Igreja é a comunidade dos renovados em Cristo que vivem sob o sinal do Amor e são instrumentos do Amor. E isso há de ser a Igreja: transparência de Deus, que em seu Verbo Encarnado pronuncia uma palavra de reconciliação e convida todo homem e mulher à nova humanidade em Cristo.
A Igreja está marcada pela comunhão em Cristo e pelo testemunho de Cristo. A comunhão significa que, por Cristo, e sob a ação do Espírito Santo, segundo a vontade do Pai, participamos da mesma vida que há em Deus, entramos em comunhão com Deus. E graças a essa comunhão com Deus reconhecemos que todo homem e mulher são nossos irmãos. O testemunho significa que cada um de nós, os que reconhecemos Jesus Cristo e O seguimos, e toda a comunidade cristã, somos testemunhas da salvação que Deus oferece e que recebemos por meio de Jesus, de maneira que nos convertemos em sinal e instrumento dessa salvação. Isso quer dizer que estamos convidados a comunicar, a todos quantos cruzam nosso caminho, a salvação que recebemos, para que todo homem e toda mulher, de qualquer lugar, possa também reconhecer Jesus e entrar na comunhão de Deus. Ser cristão significa aprender a amar como Deus ama e viver nesse amor. Trata-se de entrar, como diria Santo Tomás de Aquino, na dinâmica do amor de Deus.
Em Deus, descubro que todo homem e mulher são meus irmãos. Essa é a raiz da significação de viver na Igreja. Isso significa que nós, cristãos, somos chamados a viver na integridade os valores novos do Reino de Deus no interior das comunidades cristãs, numa solidariedade que supera as fronteiras e limites geográficos, culturais ou temporais. Por outro lado, essa solidariedade não está exclusivamente dirigida aos cristãos, mas, segundo a dinâmica do amor a Deus, deve se estender aos não-cristãos, sem distinções nem preconceitos. Isto é, amar como Deus ama ou, para que descubramos uma maior implicação, amar como somos amados.
Por isso a Igreja se chama Povo de Deus. O Concílio Vaticano II afirmou que “este povo messiânico tem por sorte a dignidade e liberdade dos filhos de Deus, em cujos corações habita o Espírito Santo como num templo. Tem por lei o mandato do amor, o mesmo amor com que Cristo nos amou.Tem como fim a dilatação do Reino de Deus. Constituído por Cristo em ordem à comunhão de vida, de caridade e de verdade, é empregado por ele como instrumento da redenção universal e é enviado a todo o mundo como luz do mundo e sal da terra” (1).
A meditação do seguinte trecho do Evangelho segundo S. João serve de apoio: “Eu sou a verdadeira videira, e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que não der fruto em mim, ele cortará; e podará todo o que der fruto, para que produza mais fruto. Vós já estais puros pela palavra que vos tenho anunciado. Permanecei em mim e eu permanecerei em vós. O ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira. Assim também vós: não podeis tampouco dar fruto, se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira: vós, os ramos. Quem permanecer em mim e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer. Se alguém não permanecer em mim será lançado fora, como o ramo. Ele secará e hão de ajuntá-lo e lançá-lo ao fogo, e queimar-se-á. Se permanecerdes em mim, e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis tudo o que quiserdes e vos será feito. Nisto meu Pai é glorificado, para que deis muito fruto e vos torneis meus discípulos. Como o Pai me ama, assim também eu vos amo. Perseverai no meu amor. Se guardardes os meus mandamentos, sereis constantes no meu amor, como também eu guardei os mandamentos de meu Pai e persisto no seu amor. Disse-vos essas coisas para que a minha alegria esteja em vós, e a vossa alegria seja completa. Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, como eu vos amo. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá sua vida por seus amigos.Vós sois meus amigos, se fazeis o que vos mando. Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz seu senhor. Mas chamei-vos amigos, pois vos dei a conhecer tudo quanto ouvi de meu Pai. Não fostes vós que me escolhestes, mas eu assim vos constituí, a fim de que tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vos conceda. O que vos mando é que vos ameis uns aos outros.”
(1) Constiuição Dogmática Lumen Gentium, n. 9.
Juán Jose Llamedo González, o.p.
Extraído de www.espirituyvida.org