Em certos momentos de nossas vidas nos sentimos solitários e abandonados. Em alguns momentos temos a clara sensação de que estamos sozinhos neste mundo, abandonados às nossas próprias misérias e tristezas. E nos questionamos sobre nossa existência, sobre qual o sentido para tanto sofrimento e quem somos e para que viemos a este mundo.
Olhamos à nossa volta e não enxergamos ninguém em quem confiar: as pessoas nos traem, nos decepcionam ou simplesmente nunca nos perguntam como estamos ou se precisamos de ajuda.
Mas foi assim também que aconteceu a uma mulher… e eu quero contar-lhes esta história:
O Senhor soube que os fariseus tinham ouvido dizer que ele recrutava e batizava mais discípulos que João (se bem que não era Jesus quem batizava, mas os seus discípulos). Deixou a Judéia e voltou para a Galiléia. Ora, devia passar por Samaria. Chegou, pois, a uma localidade da Samaria, chamada Sicar, junto das terras que Jacó dera a seu filho José. Ali havia o poço de Jacó. E Jesus, fatigado da viagem, sentou-se à beira do poço. Era por volta do meio-dia. Veio uma mulher da Samaria tirar água. Pediu-lhe Jesus: Dá-me de beber (pois os discípulos tinham ido à cidade comprar mantimentos). Aquela samaritana lhe disse: Sendo tu judeu, como pedes de beber a mim, que sou samaritana!… (pois os judeus não se comunicavam com os samaritanos). Respondeu-lhe Jesus: Se conhecesses o dom de Deus, e quem é que te diz: Dá-me de beber, certamente lhe pedirias tu mesma e ele te daria uma água viva. A mulher lhe replicou: Senhor, não tens com que tirá-la, e o poço é fundo… donde tens, pois, essa água viva? És, porventura, maior do que o nosso pai Jacó, que nos deu este poço, do qual ele mesmo bebeu e também os seus filhos e os seus rebanhos? Respondeu-lhe Jesus: Todo aquele que beber desta água tornará a ter sede, mas o que beber da água que eu lhe der jamais terá sede. Mas a água que eu lhe der virá a ser nele fonte de água, que jorrará até a vida eterna. A mulher suplicou: Senhor, dá-me desta água, para eu já não ter sede nem vir aqui tirá-la! Disse-lhe Jesus: Vai, chama teu marido e volta cá. A mulher respondeu: Não tenho marido. Disse Jesus: Tens razão em dizer que não tens marido. Tiveste cinco maridos, e o que agora tens não é teu. Nisto disseste a verdade. Senhor, disse-lhe a mulher, vejo que és profeta!… Nossos pais adoraram neste monte, mas vós dizeis que é em Jerusalém que se deve adorar. Jesus respondeu: Mulher, acredita-me, vem a hora em que não adorareis o Pai, nem neste monte nem em Jerusalém. Vós adorais o que não conheceis, nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Mas vem a hora, e já chegou, em que os verdadeiros adoradores hão de adorar o Pai em espírito e verdade, e são esses adoradores que o Pai deseja. Deus é espírito, e os seus adoradores devem adorá-lo em espírito e verdade. Respondeu a mulher: Sei que deve vir o Messias (que se chama Cristo); quando, pois, vier, ele nos fará conhecer todas as coisas. Disse-lhe Jesus: Sou eu, quem fala contigo. Nisso seus discípulos chegaram e maravilharam-se de que estivesse falando com uma mulher. Ninguém, todavia, perguntou: Que perguntas? Ou: Que falas com ela? A mulher deixou o seu cântaro, foi à cidade e disse àqueles homens: Vinde e vede um homem que me contou tudo o que tenho feito. Não seria ele, porventura, o Cristo? (…) Ainda muitos outros creram nele por causa das suas palavras. E diziam à mulher: Já não é por causa da tua declaração que cremos, mas nós mesmos ouvimos e sabemos ser este verdadeiramente o Salvador do mundo. (1)
Vamos juntos agora identificar onde nossa história pessoal converge com a desta mulher e eu lhes faço o convite de permitir que sua história seja revisitada por Jesus junto à dela.
Quando essa mulher todos os dias chegava junto ao poço para pegar água, junto com o balde que ela lançava ao fundo do poço iam também as suas emoções: seu sentimento de impureza, de indignidade, de estar no pecado e sofrer pela distância de Deus e discriminação dos outros. Mas mesmo assim, todos os dias ela se apegava àquele cântaro com a esperança que ele fosse sua única chance de obter uma vida nova.
Assim também nós nos apegamos a tantos cântaros – dinheiro, sucesso, beleza, bens, inteligência, profissão, divertimentos, bebida, sexo,… na ilusão de que eles nos levarão à felicidade que nunca chega, a uma busca que nos leva cada vez mais rumo à solidão.
E não significa que ninguém jamais tivesse olhado para aquela mulher um dia, não significa que ninguém nunca a tivesse visto ou conhecido sua história, ou participado de suas tentativas frustradas de ser feliz, mas os olhares que eram lançados sobre ela eram sempre olhares de condenação e julgamento. E então Jesus vem e, encontrando-a, lança sobre ela um olhar transcendente, um olhar que fazia com que seus pecados e misérias fossem transpassados pelo calor daquele Olhar amoroso para que Jesus pudesse olhar a mulher e somente ela em sua essência, em sua alma.
Jesus deita sobre ela um olhar restaurador, um olhar que diz: “Eu acredito em você e sei que você pode e vai ser muito mais do que isso”. Como disse certa vez Padre Fábio de Melo, Jesus lança sobre esta mulher um olhar que a inaugura e não um olhar de morte que era o que ela costumava enxergar nos olhares que se voltavam para ela e que a lançavam mais uma vez ao fundo do poço.
Todavia, diferentemente dos outros olhares que eram lançados a ela, Jesus a enxerga em sua verdade e lhe diz: “vai, chama teu marido e volta cá!”. Muito ao contrário da corrente de pensamentos do mundo, Deus não despreza nossos pecados como muitos costumam dizer: “imagina, Deus não vai se importar caso eu faça algo errado em nome da minha felicidade…”. Ele se importa, sim, mas ao invés de nos julgar, Ele lança para dentro de nós a Luz de Seu Santo Espírito para que ao nos depararmos com a enorme falta que há em nós, possamos antes encontrar a imensa Misericórdia de Deus que supera qualquer pecado cometido; para que, encontrando nossa humanidade no olhar de Deus, possamos descobrir Deus em nossa humanidade e a reconstruir, a recapitular.
E então Jesus dá de beber à mulher, mas não mata a sede somente daquele instante através de um simples consolo; Jesus Se coloca como fonte de Água Viva e Se oferece a Si mesmo, assim como haveria de fazer na Cruz, dando a esta mulher de beber todos os dias desta Água que traz vida em plenitude.
Mais do que isso, Jesus deixa claro a esta mulher que não era ela quem O queria mas, antes, era Ele quem a desejava e, como na Cruz, lança um olhar sobre ela e lhe diz : “Tenho sede !” (2). Como dizia Santa Teresinha do Menino Jesus e da Sagrada Face, o Senhor tinha uma sede mais do que de água, tinha sede de fazer a humanidade encontrar a felicidade n’Ele – única Verdade que jamais decepciona.
E, assim, a mulher dessa história acaba por encontrar o único e verdadeiro amor de sua vida e, a partir deste encontro, sua vida é totalmente transformada e ela sai a testemunhar.
Querido leitor, desejo a você este mesmo encontro – que você possa hoje derramar sua história à beira do poço no qual você se encontra hoje, seja um poço de doença, de tristeza, de dívidas, de solidão, de desespero, de profunda perda, de depressão. Seja qual for o poço e por mais fundo que ele lhe pareça, feche seus olhos e sinta… é isso mesmo… é Jesus que hoje se aproxima de você e mansamente lhe diz : “DÁ-ME DE BEBER!”.
Entregue, então, a Jesus o seu deserto e Ele irá lhe dar tudo o que você tem buscado em outros lugares e pessoas e não tem encontrado.
“Preciso de um coração ardente de ternura, que permaneça sempre meu apoio, que em mim ame tudo, até minha fraqueza, que nunca me deixe, nem de dia, nem de noite.
Não pude encontrar nenhuma criatura que sempre me amasse sem nunca morrer.
Preciso de um Deus que assuma minha natureza, que se torne meu irmão e que possa sofrer.
Oh, Coração de Jesus, tesouro de ternura!
És Tua a minha ventura, minha única esperança.
Tu, que soubeste encantar minha tenra juventude,
Fica comigo no declinar do último dia.
Senhor, para Ti somente eu dei minha vida,
E meus desejos Te são bem conhecidos:
É em Tua bondade sempre infinita
Que quero perder-me, Coração de Jesus.” (3)
(1) João 4,1-29.41-42.
(2) João 19,28b.
(3) “Obras Completas de Santa Teresinha do Menino Jesus e da Sagrada Face”.
Myrian Cristina Neves Botelho de Andrade
Consagrada na Comunidade Católica Pantokrator