,
Comunidade Mar a Dentro
O Celibato na Igreja é de origem muito antiga. Por volta do ano 300, no chamado Sínodo de Elvira, a Igreja do Ocidente, baseada nas decisões de vários Concílios provinciais e dos Sumos Pontífices anteriores, confirmou, difundiu e sancionou a prática do Celibato. Seja nos documentos dos Papas posteriores ou mesmo nos textos dos Padres da Igreja, o Celibato eclesiástico foi sempre reafirmado ao longo da história, mesmo quando o próprio clero se opunha a essa prática e os costumes da sociedade favoreciam bem pouco essa virtude. A obrigação do Celibato foi promulgada solenemente pelo Concílio de Trento, em 1563, e finalmente inserida no Código de Direito Canônico.
O Concílio Vaticano II, no decreto Presbyterorum Ordinis, sobre o ministério e a vida dos sacerdotes, nos ensina: “… o celibato harmoniza-se por muitos títulos com o sacerdócio. Na verdade, toda a missão sacerdotal se dedica totalmente ao serviço da humanidade nova, que Cristo, vencedor da morte, suscita no mundo pelo seu Espírito e tem a sua origem, “não no sangue, nem na vontade da carne, nem na vontade do homem, mas em Deus” (Jo l,13). Pela virgindade ou pelo Celibato observado por amor do Reino dos Céus, os presbíteros consagram-se por um novo e excelente título a Cristo, aderem a Ele mais facilmente com um coração indiviso, n’Ele e por Ele mais livremente se dedicam ao serviço de Deus e dos homens, com mais facilidade servem o seu Reino e a obra da regeneração sobrenatural, e tornam-se mais aptos para receberem, de forma mais ampla, a paternidade em Cristo” (PO 15). Todavia, como compreender esse chamado tão especial, que não vem da carne, nem do homem, que o Senhor faz a alguns, a ajudá-lo a formar esta humanidade nova, a ser com Ele um só coração e a servir, como Ele mesmo o fez, livremente a todos?
Nos evangelhos, quando Jesus chamou os primeiros discípulos para tornarem-se “pescadores de homens” (Mt 4,19; Mc 1,17; Lc 5,10), estes “deixaram tudo e o seguiram” (Lc 5,11; Mt 4,20.22; Mc 1,18.20). Em outra parte dos evangelhos, Jesus fala da renúncia necessária “por causa dele e do Evangelho” (Mc 10,29). Jesus pede aos seus discípulos não apenas deixar casas e campos, mas separar-se de pessoas queridas: irmãos, irmãs, pai, mãe e filhos. É certo que Jesus não pede isso a todos que O seguem, mas somente àqueles que desejam abraçar as exigências da vida apostólica ou da vida consagrada. Contudo, a todos Ele exige o primeiro lugar nos corações: “quem ama a seu pai ou a sua mãe ou a seus filhos, mais do que a mim, não é digno de mim.” (cf. Mt 10,37).
Essas passagens nos fazem compreender um pouco por que a Igreja manteve e mantém a idéia de que o Celibato esteja dentro da lógica da consagração sacerdotal e da conseqüente entrega total a Cristo Jesus em vista de uma atuação evangelizadora consciente. Nesta linha de pensamento, não podemos deixar de citar o Evangelho segundo Mateus, em que Jesus exprime de forma bem concreta a necessária renúncia daqueles que deixam tudo por causa do Reino dos Céus, tornando-se eunucos para se dedicar inteiramente a serviço do Evangelho do Reino (cf. Mt 19,12; Mt 4,23; 9,35; 24,34). É importante também o testemunho de Paulo na Carta aos Coríntios, em que revela a coerência que existe naqueles que tomam esse caminho para ocupar-se das coisas do Senhor, sem ter de ocupar-se das coisas do mundo, necessárias à uma vida conjugal e familiar (1Cor 7,32-34).
Sabemos que nas Igrejas Orientais muitos padres são legitimamente casados segundo o Código dos Cânones das Igrejas Orientais. Entretanto, mesmo naquelas Igrejas, os bispos vivem o Celibato e também certo número de sacerdotes. Além disso, somente é permitido o Matrimônio se este é anterior ao Sacramento da Ordem. Uma vez ordenado, o sacerdote, ainda que solteiro, não pode mais casar-se. A diferença entre as Igrejas Latina e Oriental está ligada à caminhada histórica de cada uma delas. Devemos considerar também que o Celibato não faz parte em si mesmo da natureza do sacerdócio (cf. Concílio Lateranense IV, no ano de 1215), não faz parte da essência do Sacramento da Ordem, por isso não é obrigatório para todas as Igrejas. Contudo, não restam dúvidas do benefício que ele traz, em vista do apostolado e mais ainda da sua íntima ligação com o sacerdócio e com a consagração a Deus, dos quais Jesus é o modelo.
Com a sua vida, Jesus indicava um novo agir que foi posteriormente seguido por seus discípulos. Olhando nos evangelhos os Doze Apóstolos, ainda que alguns pudessem ser casados, assim como Pedro, não encontramos menção alguma a respeito de esposas ou mesmo filhos. Parece que os Doze, destinados a serem os primeiros participantes do sacerdócio de Cristo, para poderem segui-l’O, renunciam ao viver em família.
Jesus não instituiu uma nova lei, mas propôs o ideal do Celibato para o novo sacerdócio que instituía. É este ideal que a Igreja afirma. No princípio da Igreja é compreensível que houvesse sacerdotes escolhidos dentre homens casados, como o faziam os judeus em sua Tradição. Disso são testemunhas as Cartas a Timóteo (1Tm 3,2-33) e a Tito (Tt 1,6), em que se exige que os homens escolhidos para serem presbíteros sejam bons pais de família, casados com uma só mulher, ou seja, fiéis às esposas. Entretanto, a Igreja ainda está se organizando, buscando viver da melhor forma os ideais e os conselhos deixados pelo Mestre.
Ao longo da história da nossa Igreja, olhando as experiências e as reflexões de tantos Padres da Igreja, o Celibato aos poucos deixa de ser um hábito, que passava a ser comumente praticado, para tornar-se uma norma geral para todos da Igreja Ocidental (Latina). O Celibato não é apenas fruto de uma lei canônica, de uma disciplina, mas o amadurecimento de uma vivência eclesial, de um seguimento sempre mais intenso do Cristo-Sacerdote.
Há, portanto, muitas razões para o Celibato: o seguimento mais pleno de Cristo, tendo o coração indiviso e voltado exclusivamente para Ele; a disponibilidade muito mais ampla para o serviço do Reino; o fato de escolher uma vida mais semelhante àquela definitiva que aguarda a todos nós, onde ninguém tomará mulher ou marido; a maior proximidade daquele “deixar tudo” proposto por Jesus.
O Celibato sacerdotal, fora as motivações espirituais presentes nele, deve ser cultivado com cuidado naqueles que desejam seguir o Mestre no caminho do sacerdócio. É necessária uma coerente, sólida e profunda formação, seja humana, seja espiritual, e inclusive valendo-se da Psicologia, para um acompanhamento adequado. Devem ser ensinados aos jovens candidatos os motivos e as exigências deste especial compromisso, deve-se, sobretudo despertar a convicção de que o Celibato é essencialmente um amor maior pelo Cristo e, por Cristo, um amor maior aos irmãos.
É verdade que hoje há muitas dificuldades em se viver o Celibato, que este exige algo que por vezes supera as forças da natureza humana e que se sacrificam alguns aspectos da vida humana. Mas é também verdade que é o Senhor quem guia a Igreja através dos séculos e Ele, com certeza, não deixará de conceder essa graça especial àqueles que Ele chama ao sacerdócio.
Mediante essa graça, poderão assumir com alegria o seu compromisso e permanecer fiéis a ele toda a vida.