A opinião pública na gangorra da derrota ou vitória

Plinio Vidigal Xavier da Silveira
Instituto Plínio Corrêa de Oliveira

As questões eleitorais dominaram o panorama nacional no último mês. Até aí nada de extraordinário, em vista do segundo turno da eleição em 31 de outubro. O que surpreendeu a muitos, isto sim, foi o fato de predominarem na campanha graves temas morais e religiosos, dos quais os candidatos não conseguiram se desvencilhar. Aborto, “casamento” homossexual, família, religião e o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) rechearam os debates, contrariamente ao desejo de ambos os postulantes ao cargo máximo da República.

Tem esse fenômeno grande importância e profundidade, e impõe-se uma análise do que ocorreu. O leitor verá, pelo que segue, que o aspecto mais profundo dos episódios deste pleito independe de o eleito ter sido A ou B.

Só candidatos de esquerda: a democracia em xeque

Tudo começou quando ficaram definidos os candidatos do primeiro turno. Nessa ocasião, em discurso na sede do Instituo de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), o Presidente Lula comemorou: “Pela primeira vez não vamos ter um candidato de direita na campanha. Não é fantástico isso?”. Segundo o presidente, antes os candidatos de esquerda e de centro-esquerda disputavam “contra os trogloditas da direita”.(1)
Essa declaração do presidente não só é estapafúrdia, mas se reveste da maior gravidade, pois põe em xeque a própria autenticidade da democracia brasileira.

De fato, se há uma parcela considerável da opinião pública que não é representada numa eleição presidencial, ela está sendo arbitrariamente discriminada pelos partidos políticos, e não se pode mais falar em democracia representativa. A gravidade da situação cresce enormemente se considerarmos que todas as pesquisas de opinião sobre o estado da opinião pública apresentam a população brasileira como predominantemente conservadora.(2)

Disso tudo se depreende que a grande derrotada nesta eleição é a opinião pública, e não este ou aquele candidato. Conforme ensina o eminente mestre Plinio Corrêa de Oliveira, “a autenticidade do regime democrático repousa por inteiro sobre o caráter genuíno da representação. É isto óbvio. Pois, se a democracia é o governo do povo, ela só será autêntica se os detentores do Poder Público forem escolhidos e atuarem segundo os métodos, e tendo em vista as metas desejadas pelo povo. Se tal não se dá, o regime democrático não passa de uma vã aparência, quiçá de uma fraude”.(3)

A opinião pública se vinga
Nessa situação anômala e absurda, os anseios da opinião pública foram totalmente preteridos em favor de candidatos que representavam, não a população brasileira, mas ideologias de esquerda ou extrema-esquerda. Diante disso uma virada surpreendente se operou, uma verdadeira vingança do povo brasileiro.
Surgindo das entranhas da brasilidade politicamente pisoteada, como um rugido sai de uma terra abalada por um forte tremor, a opinião brasileira impôs aos candidatos e aos partidos a sua agenda.

Afirmaram-se a religiosidade e o bom senso nacional, o sentido histórico de um povo que tem em suas tradições seu melhor tesouro. Daí veio sobre os candidatos a salutar pressão dos que rejeitam o aborto, o “casamento” homossexual, a adoção de crianças por “casais” formados de modo antinatural; e no centro de tudo o nefando Programa Nacional de Direitos Humanos do governo Lula, com sua investida contra a família, contra a moral, contra a propriedade, contra as legítimas liberdades.

Não faltaram os que viram nessa situação o aspecto TFP existente na alma dos brasileiros.
Os institutos de pesquisa ficaram desacreditados, pois trabalhavam sobre uma realidade falseada. Tornaram-se objeto de todo tipo de suspeitas. E os candidatos, forçados pela realidade e pelo interesse eleitoral imediato, tiveram de se adaptar, ainda que de modo totalmente artificial.

Exemplos extraídos a esmo

O noticiário é caudaloso a esse respeito. Vejamos apenas algumas manifestações.

● Ambos os candidatos participaram de cerimônias na basílica de Aparecida, mostrando-se artificialmente “devotos”.
● Atendendo aos anseios de seus fiéis, bispos e sacerdotes católicos expuseram claramente que não se pode votar em candidatos abortistas, ou que sejam favoráveis às aberrações homossexuais, ou que defendam o PNDH-3, ou que vilipendiem o direito de propriedade. Postura análoga foi patrocinada por pastores protestantes.
● Ficou rachada de alto a baixo a unanimidade, ao menos de fachada, com que a CNBB costumava apresentar-se na defesa de teses “progressistas”, desde os infaustos tempos de D. Helder Câmara.
● A mídia ficou pasma ante o que estava ocorrendo: “Nem o mais visionário político do País imaginaria no início da campanha que o tema central da disputa presidencial envolveria religião. O impressionante movimento dos eleitores cristãos, rejeitando qualquer candidatura que imaginem ser defensora do aborto, ainda precisará ser estudado e explorado por especialistas para ser compreendido. Mas a verdade é uma só: o segundo turno entre Dilma Rousseff e José Serra já está absolutamente dominado por essa discussão”.(4)
● A sucessão foi seqüestrada pelo ativismo dos grupos mais conservadores de diferentes denominações cristãs”.(5)
● Desmorona a credibilidade dos institutos de pesquisa: “A popularidade de Lula foi superestimada pelos institutos de pesquisa. Se é exeqüível supor que o presidente é popular, é inimaginável que somente 4% da população achem ruim ou sofrível o governo. Ledo engano”.(6)
● “O apoio à proibição do aborto é o mais alto no Brasil desde 1993, quando o Datafolha começou a série histórica de perguntas sobre o tema”.(7)
● “Petistas criticam reacionarismo nas eleições: Tarso Genro comparou os ataques com viés religioso a Dilma Rousseff ao período pré-golpe de 1964”.(8) – “Biografia de Dilma na TV agora cita ‘sólida formação religiosa’”.(9) – “Dilma promete a igrejas vetar teses históricas do PT”.(10)
● A respeito do debate religioso nas eleições, Serra esclareceu: “Essa é uma questão que foi introduzida pelas pessoas, não pelos partidos nem pelos candidatos”.(11)
● “A estridência com que o debate moral e religioso emergiu para o topo da agenda nessa eleição presidencial criou a sensação de aumento da influência das igrejas sobre o voto, e de que os candidatos — em especial Dilma — foram pegos de surpresa”.(12)
● Devido a essa situação inesperada, “nos últimos dias, Dilma deu a impressão de que esteve próxima de desmoronar. Do lado oposto, Serra […] sem discurso sólido, o tucano mais parece um camaleão, ou um artista de circo”.(13)
● “Em entrevista à imprensa, a petista citou […] folhetos assinados pela Tradição, Família e Propriedade (TFP) em evento do PSDB como fontes da ‘onda de boatos’”.(14)
● “A pauta ideal de campanha não é a que partidos e candidatos estabelecem, mas a que o eleitor escolhe. Nesta eleição prevalece, até aqui, acima de todos os temas, a chamada agenda religiosa. […] Nenhum dos candidatos anteviu o afunilamento dos debates convergindo para um tema como o do aborto.(15)

Desejará o novo governo enfrentar a opinião pública?

De tudo isso se infere, por um lado, que a opinião pública brasileira saiu derrotada, pois não eram essas as eleições que ela queria, nem eram esses os seus candidatos, os quais lhe foram empurrados goela abaixo. Mas de outro lado ela saiu vitoriosa, impondo sua agenda aos candidatos, aos partidos, à mídia e à CNBB, que se viram obrigados a dançar segundo uma música que ela escolheu.

Algum espírito superficial dirá que de nada vale isso, pois uma vez empossado, o novo presidente tentará esquerdizar ainda mais o País. É provável, mas na medida em que quiser impingir ao Brasil a agenda única da esquerda, incluída aí a sua visão dos temas morais, levantará contra seu governo reações e oposições talvez até maiores que as do período eleitoral. Quererá ele enfrentar uma opinião pública esclarecida e reativa? Em que medida? Com que desgaste para a esquerda? Eis a questão.

No fundo, o grande descaminho dos que manejam o processo eleitoral consistiu em ignorar a verdadeira índole do povo brasileiro. A esse propósito, convidamos o leitor a se deter no texto de Plinio Corrêa de Oliveira. O trecho é um verdadeiro portento de lucidez e análise a respeito da sociedade brasileira.

E agradeçamos a Nossa Senhora Aparecida, Rainha do Brasil, pelo muito que Ela tem feito por nossa Pátria. É confiando n’Ela que vamos para a frente.

Publicado na revista Catolicismo, de Novembro de 2010. E-mail para o autor: catolicismo@terra.com.br

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