Família dom de Deus
A família em si mesma é, desde a sua fundação, dom de Deus, só existe verdadeiramente porque é sustentada pela graça divina. Assim como a família, em toda a sua estrutura, o planejamento familiar também é uma grande graça de Deus, pois por ele o casal realiza a sua altíssima vocação de paternidade e maternidade. Sim, é preciso entender que paternidade não é apenas um instinto, um desejo humano, mas é uma altíssima vocação. Como toda vocação, ela comporta um chamado, um apelo, uma convocação. A convocação recebida pelos cônjuges no matrimônio é de conservar integralmente o sentido do amor fecundo (1). Esse apelo naturalmente exige uma resposta adequada, uma responsabilidade para atender ao chamado. Daí surge o conceito de Paternidade Responsável. Portanto, Paternidade Responsável significa corresponder ao chamado de Deus para o matrimônio no que diz respeito à transmissão da vida.
Todo Planejamento Familiar do casal cristão deve estar alicerçado no exercício da Paternidade Responsável. Algo que o casal deve refletir não só depois do sacramento do matrimônio, na vida de casado, mas desde o tempo de namoro e noivado, buscando conhecer a vontade de Deus, a moral da Igreja, analisando a sua realidade de vida etc. e, a partir disso, buscar responder de forma adequada ao chamado de Deus para a paternidade. É o que nos afirma a Encíclica Humanae Vitae, dizendo que o amor conjugal requer nos esposos a consciência de sua missão de Paternidade Responsável, que deve ser compreendida com exatidão. Hoje em dia muito se fala de Planejamento Familiar, embora com conotações de controle de natalidade, mas pouco se fala de Paternidade Responsável.
Controle de Natalidade
O Controle de Natalidade traz em si uma mentalidade e atitude anticoncepcional bem contrária àquilo que corresponde ao exercício da Paternidade Responsável. A proposta de controle de natalidade é reduzir a população supostamente para reduzir problemas sociais como a fome, a pobreza etc. – notável é que há mais de 30 anos se reduz consideravelmente a natalidade nos países, mas essas mazelas sociais não foram reduzidas, decerto porque não deve ser essa a solução para esses problemas. É dessa mentalidade que se difunde o uso de contraceptivos, o aborto, a eutanásia etc. Contudo, ela se desvincula totalmente de uma visão completa do homem e desconsidera sua plena dignidade, reduz o valor da vida humana tornando-a inferior ao valor do prazer, do bem-estar, do acúmulo de bens promovidos pelo hedonismo, utilitarismo, consumismo etc.
Hoje, segundo essa mentalidade, um prazer vale mais do que uma vida. Assim, os filhos passam a ser encarados de duas formas: ou como um entrave – limitam a liberdade dos pais, dão trabalho, dão gastos etc., tornando-se indesejáveis, aí se faz de tudo para evitá-los – ou como objeto de realização dos pais – deseja-se o filho para usufruir do prazer afetivo que ele pode trazer; então, basta 1 só ou no máximo dois, aí se faz qualquer coisa para obtê-los. Os filhos, que deveriam ser fruto de um transbordar de amor do matrimônio, transformam-se em objetos nos dois casos: no primeiro, objeto indesejável; no segundo, objeto cobiçado.
Humanae Vitae
Muitos casais, por não compreenderem sua missão de Paternidade Responsável, deixam-se levar por essa mentalidade tão difundida e de certa forma imposta pela sociedade. Por isso é preciso aderir ao apelo da Humanae Vitae e buscar compreender com exatidão o verdadeiro significado da Paternidade Responsável e do Planejamento Familiar para, então, praticá-los. Essa compreensão exige que os esposos tenham sólidas convicções sobre o valor da vida humana e da família. Para uma compreensão verdadeira, é preciso contar com o auxílio da Graça de Deus. É o Espírito de Deus que ilumina a inteligência humana e só ele pode fazer o homem enxergar a sua dignidade profunda, o seu verdadeiro bem, a sua realização maior e a sua verdade diante de Deus, de si mesmo e do mundo. É também o Espírito que toca a vontade humana, tornando-a capaz de acolher e corresponder a essa verdade. Só ele pode fazer cada pessoa casada encontrar o sentido da família e da sua missão de paternidade. O Espírito Santo nos faz apreciar retamente todas as coisas. Atuando na inteligência e na vontade humana, o Espírito Santo forma no homem uma consciência reta para que ele possa aderir ao chamado de Deus e assim corresponder a Ele de forma adequada.
Planejamento Familiar e Paternidade Responsável
Vejamos, então, o que significa Planejamento Familiar e Paternidade Responsável segundo o que a Igreja nos apresenta. Planejamento Familiar compreende o direito e o dever do casal de planejar a sua própria família em relação ao número de filhos segundo o exercício da Paternidade Responsável. A Paternidade Responsável se fundamenta em dois princípios: o primeiro parte do pressuposto de que o filho é um tesouro e por isso deve ser bem cuidado; o segundo afirma que os filhos são uma grande benção e por isso não devem ser evitados, a não ser que haja razões sérias para isso – essas razões sérias nunca podem ser: o egoísmo do casal, a exigência de uma vida requintada para os filhos ou o medo do futuro.
A fé e a dedicação devem superar todas as dificuldades nesse sentido. Segundo a Humanae Vitae, as razões sérias que justificam o distanciamento dos filhos podem ser classificadas em três grupos: físicos, psicológicos e socioeconômicos. As razões de ordem física aparecem quando existe um risco real e certo de que uma nova gravidez poria em perigo grave a saúde da mãe e/ou quando há um perigo real de transmitir uma doença hereditária grave aos filhos. Psicológicas: surgem de estados de angústia e ansiedade anômalas ou patológicas da mãe perante a possibilidade de uma nova gravidez. Socioeconômicas: acontecem quando o casal marcado por situações problemáticas não pode suportar a carga econômica de um novo filho, a falta de casa adequada ou a sua reduzida dimensão (2).
O que ensina a Igreja?
É preciso considerar que o desejo de Deus é a proliferação da raça humana de tal maneira a não se fazer necessária nenhuma regulação da natalidade. Mas, se houver motivos sérios para isso, como acabamos de ver, a Igreja ensina que, para distanciar o nascimento dos filhos é lícito que o casal recorra aos métodos naturais de regulação da natalidade, usando do matrimônio apenas nos períodos infecundos (3). Isso significa que a Igreja não propõe ou recomenda o uso dos métodos naturais, simplesmente permite usá-los quando existem motivos que os justifiquem.
O exercício responsável da paternidade implica ainda que os cônjuges reconheçam plenamente os próprios deveres com relação a Deus, a si próprios, à família e à sociedade, numa justa hierarquia de valores (4), lembrando que a essência dos deveres da família é definida pelo amor – não um amor qualquer, mas amor que é reflexo e participação do amor trinitário. Isso significa que o planejamento familiar não é uma atitude onde simplesmente o casal define unicamente conforme sua vontade o número de filhos que quer ter.
É um movimento muito mais amplo que envolve a intimidade da família, mas que se estende para fora dela. A paternidade responsável praticada no planejamento familiar abrange uma relação profunda com a ordem moral objetiva estabelecida por Deus, da qual a consciência reta é uma intérprete fiel. Assim se deve ponderar o sentido e o significado do número de filhos não só para si próprio, mas para a família, para a Igreja e para a sociedade. Os cônjuges, na sua missão de transmitir a vida, não são livres para ponderarem a seu bel prazer, como se pudessem determinar de maneira absolutamente autônoma as vias honestas a seguir, mas devem, sim, conformar o seu agir à intenção criadora de Deus, expressa na própria natureza do matrimônio e manifestada pelo ensino da Igreja (5).
Conformando o seu agir com a vontade criadora de Deus
A paternidade responsável não pode ser dirigida unilateralmente à limitação e menos ainda à exclusão da prole; supõe a disponibilidade de acolher também uma prole mais numerosa.
Conscientes disso, os esposos podem planejar a sua família para não gerar filhos que não tiverem condições de educar, sem cair numa atitude que deprecia a vida humana e limita ao mínimo o número de filhos. Devem buscar sempre o auxílio da graça, pedindo que o Espírito os ajude a enxergar com clareza os pontos importantes desse discernimento conformando o seu agir com a vontade criadora de Deus.
Luciane Bidóia
Consagrada na Comunidade Católica Pantokrator
Referências :
(1) Cf. R. L. CIFUENTES, “Noivado e Casamento”, pg. 62.
(2) Cf. Ibidem, pg. 67.
(3) Cf. Paulo VI, “Encíclica Humanae Vitae”, 1968 nn. 9;16.
(4) Cf. Concílio Vaticano II, “Constituição Pastoral Gaudium et spes”, n. 50.
(5) Cf. GS 51.