A maior desgraça que existe é o pecado. E acredite: eu não estou exagerando. Todos os outros tipos de tragédia, por mais terríveis que sejam, não possuem a capacidade de me lançar eternamente no inferno, mas o pecado possui. Não é à toa que o jovem São Domingos Sávio dizia com a maior sinceridade: “Prefiro morrer do que pecar!”.
Um dos maiores problemas de catequese dos nossos tempos é a perda da noção de pecado. Não se trata de um simples descumprimento de regras ou de um mecanismo criado pela Igreja para manter os fiéis “na linha”. Pecar significa praticar um verdadeiro ato de rebeldia contra o Deus Todo Poderoso.
Pense da seguinte maneira: assim como ninguém conhece melhor o relógio do que o relojoeiro que o criou, da mesma forma ninguém nos conhece melhor do que o nosso Criador. Ele sabe do que precisamos, sabe o que nos faz mal e conhece de perto a nossa ânsia por felicidade. Em outras palavras, o Senhor possui o nosso “manual de instruções” e sabe, melhor do que ninguém, o que é bom ou ruim.
Ele poderia nos deixar abandonados, a fim de que descobríssemos sozinhos o caminho da felicidade. Mas não: Ele é bom e resolveu nos indicar exatamente o mapa do tesouro. O Criador nos deu instruções para indicar o que irá nos machucar e o que irá nos completar. Existem conselhos muito claros de Deus no sentido de dizer: “Filho, faça isso” ou “Filha, aquilo é perigoso”.
A essas instruções amorosas nós damos o nome de “mandamentos”.
Para o mundo moderno, mandamentos são uma espécie de jaula que aprisiona e não permite fazer nada. Para nós, cristãos, os mandamentos são o verdadeiro caminho da felicidade. Não precisamos sair por aí tentando de tudo e caindo em ciladas para saber o que é bom, afinal o próprio Deus já disse.
Mas, e se a pessoa resolve não trilhar esse caminho seguro e abençoado? E se o sujeito resolve ignorar os mandamentos e “reinventar” o conceito de bem e mal? Pois bem: é a isso que damos o nome de pecado, ou seja, desobedecer ao “mapa do tesouro” e se afastar dos planos que o Deus amoroso traçou para nós.
DEUS ABANDONA O PECADOR?
Na prática, pecar significa voltar as costas a Deus. Quando nos lançamos voluntariamente a uma vida de pecados, dizemos basicamente ao Senhor: “Eu não quero sua ajuda. Eu me viro sozinho e assumo as consequências disso”. Mal sabe o pecador obstinado que está caminhando fatalmente para uma vida de desespero e angústia eterna.
Porém, como bem nos lembra São Paulo: “se formos infiéis, Ele continua fiel” (II Tm 2, 13). Esta é a grande notícia do Cristianismo (e sua grande beleza também!). Cristo não veio para aqueles que já possuíam saúde, mas sim para os doentes, ou seja, os pecadores.
Os Evangelhos estão repletos dessa realidade. Jesus fala claramente que o Bom Pastor (Ele mesmo) deixa no campo as 99 ovelhas que estão seguras e parte para procurar aquela única ovelha que se perdeu (cf. Lc 15, 4-7). O mesmo Jesus passava grande parte do seu tempo em companhia de pecadores públicos.
E Cristo não mudou nada desde então: Ele continua em busca dos pecadores, por mais longe que estejam da vivência dos mandamentos. A Igreja ensina que pode haver conversão até o momento da morte. E, para o poder de Deus, não existe “caso perdido”. Vejam o exemplo do “bom ladrão”, que se arrependeu e pediu perdão minutos antes de morrer ao lado de Cristo – e que, por isso, conquistou o Paraíso!
E O QUE EU FAÇO COM TODA A VIDA DE PECADO QUE JÁ LEVEI?
Certa vez eu ouvi um pregador dizendo que “Deus é o divino aproveitador”, já que Ele consegue aproveitar praticamente tudo – por mais sujo e horrível que seja – e transformar em coisas úteis. E é verdade: o pior crime da humanidade foi ter matado o Filho de Deus na cruz, e isso foi aproveitado por Deus como meio da nossa salvação.
E esse é o singelo objetivo deste texto: relembrar que até mesmo os nossos pecados passados podem ser utilizados para a nossa santificação, por mais estranho que pareça. E isso é bíblico: “Onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Rm 5, 20). Pela graça de Deus, até o mais fétido lixão pode ser terra fértil para as mais belas flores.
O exemplo que eu mais gosto de lembrar é o do “filho pródigo” (Lc 15, 11-24). É provável que todos conheçam a história: um homem rico e bom tinha dois filhos. O filho mais novo se cansou de viver sob os “mandamentos” do pai e quis ir embora, viver sob suas próprias leis. Ele pediu sua parte da herança e saiu esbanjando tudo em uma vida desregrada, com festas e promiscuidades.
Ocorre que o dinheiro acabou e os “amigos” foram embora. O jovem ficou sozinho, sem ajuda e sem comida. Só conseguiu um tipo de emprego: cuidar dos porcos. A fome era tanta que ele pensou em comer a lavagem dos porcos, mas até isso foi recusado. Ele, então, caiu em si e se lembrou da vida que levava na casa do pai.
Decidiu voltar e pedir para ser empregado, já que os empregados do seu pai tinham uma vida infinitamente mais próspera que a sua. Mas o bondoso pai o aceitou como filho. Mandou que trouxessem vestes novas e preparassem a melhor festa.
Ou seja: ficou claro para o jovem que a sua felicidade era viver protegido sob aqueles mandamentos paternos.
Agora vem a reflexão: aquele pecado do jovem (de ir embora e esbanjar os bens do seu pai) foi algo terrível, que poderia tê-lo feito morrer na pior das misérias. Mas agora, depois de tudo, aquele velho pecado virou fonte de sabedoria, pois ele sempre se lembrará de onde sua soberba o levou. Ele jamais cometerá o mesmo erro, pois o velho pecado (agora já perdoado) o ensinou a amar.
E quanto a nós? Quais são os pecados que já nos levaram para longe de Deus? E, mais importante: eles servem apenas como motivo de vergonha e frustração, ou são uma “escola de sabedoria” (como foram para o filho pródigo)?
Que o Deus Poderoso (o “divino aproveitador”) nos ensine a aprender com os velhos erros a amar os seus bondosos mandamentos.
Rafael Aguilar Libório
Consagrado da Comunidade Católica Pantokrator