A busca incessante pelo prazer e pela satisfação dos desejos sempre foi uma característica intrínseca à humanidade. Não é à toa que desde o período helenístico, que começou lá em 332 a.C e foi até 30 a.C, o homem estuda como chegar à alegria plena pela satisfação prazeres. E são muitos os pensadores que estruturaram escolas filosóficas para refletir e explicar o mundo e uma vida boa e feliz, através da satisfação do “eu” – como, por exemplo, a epicurista, estoica, cínica e cética.
E por mais que à primeira vista não pareça, isso se relaciona muito com o mundo em que vivemos e, principalmente, com tal pergunta que intitula esse texto. Ademais, concomitantemente à elaboração desses pensamentos, ocorria a degradação do coletivo e o homem se deparava, pela primeira vez, com a instituição do individualismo – este, que é um dos princípios basilares da contemporaneidade ocidental. Há, então, a relação da autossuficiência humana e a busca de entender os desejos, sendo assim selado o homem como principal agente e sujeito dessa satisfação.
Entenda seus desejos
Tal construção da relação homem-desejo beira, atualmente, o hedonismo – a busca pelo erótico, principalmente e uma sexualização excessiva dos prazeres – e distorce qual deve ser a busca e a canalização dos nossos desejos. Essa centralização individualista escamota a verdade e faz com que nossos desejos nos consumam, impedindo que sejam consumados. Deve ser bem claro que nós não os somos, e a consumação deles não é a essência da nossa felicidade, aí que há a deformação, aí que se encontra o individualismo, não vamos satisfazer todos os nossos desejos sozinhos e satisfazendo-os, não significa que nos encontraremos!
Certo, há a distorção, mas muitas vezes podemos cair em extremismos, puritanismos e escrúpulos. Não somos nossos desejos, há a erotização e o materialismo, mas isso não significa que devemos nega-los. Na realidade, não podemos negá-los, porque como foi dito lá no comecinho, na primeira linha, os desejos são intimamente ligados com o que somos, nós não o somos, mas eles dizem muito sobre nossa humanidade. E se o próprio Cristo abraçou a humanidade, quem somos nós para negá-la?
Além de que o desejo começou no Pai, tudo era bom n’Ele. Ele desejou a criação, nos desejou como filhos e, mesmo que soe redundante, desejou nossos desejos. E tudo que vem d’Ele, em sua essência mais pura, traz um bem e é o bem. Sendo assim, a primeira resposta – para a pergunta título – é descobrir qual a sua relação com seus desejos, eles te definem e te consomem ou te mergulham num escrúpulo? Seus desejos são um bem e estão Naquele que é a verdade? A primeira dica sobre como lidar com seus anseios é não “monstrualizar” nem vangloriar, seja real com o que eles significam para você.
Seu papel nos seus desejos
A partir do momento em que você mapeou o que eles são, é importante compreender qual a sua relação com os seus desejos. Se você se enxerga como único sujeito para tornar eles reais, ou se eles não te afetam e você está sempre cômodo esperando uma obra sobrenatural concretizá-los. A indiferença e a autossuficiência são alguns daqueles fatores que distorcem a verdade sobre os desejos e por mais que pareçam paradoxais, ambas são ruins e não integram vontade de Deus. Ele é aquele que traz o equilíbrio tanto para o ambicioso como para o indiferente.
Depois dessas duas primeiras análises, entender nossos desejos e o que somos em relação a eles, a próxima resposta é entregar os desejos e as vontades para Deus. Mas aí há o cerne de muita desconfiança e medo, a entrega dos desejos muitas vezes pode ser entendida como uma perda deles e anulação da nossa vontade. Há então uma batalha travada entre o abandono e o autocontrole, entre o filho e o homem racional que vem lá do período helenístico, o homem que acha que confiar os desejos a Deus é não ver a consumação destes e que se convence de que o Pai é aquele que nega, há a concepção de que entregar é aguentar só humilhação posteriormente.
Mas na realidade, a entrega dos nossos desejos é pura e genuína liberdade, porque é nos descobrir amados e pequenos, é nos fazer ativos no plano do bem do Pai. Sei que pode soar abstrato ou muito teatral, mas é a verdade. Somos tão livres e tão humanos em Cristo, que abraçamos nossos desejos, mas confiamos que nosso senhorio não é a nossa vontade e sim o abandono no Pai. A resposta é assimilar que nossos desejos tem um Senhor que os efetivará, à maneira d’Ele, que não é castradora nem “pedagoga do não”, mas que também aprimorará a concretização desses desejos de maneira que culmine só na verdadeira alegria e crescimento.
Então se abandone, deseje, sonhe, entenda seus desejos, entenda você e se entregue. Não se deixe confundir pela vaidade que atrai a autossuficiência ou pelo puritanismo que te inibe desejar, não permita brechas que te deem medo para se abandonar verdadeiramente e confiar, se lance. Mas para isso a vida de oração deve ser constante e necessária, para a única voz que predomine seja Daquele que mais nos ama.
Ana Clara Gonçalves
Engajada da Comunidade Católica Pantokrator