Existem, basicamente, dois tipos de memória. O primeiro tipo é a “memória carnal”, justamente aquela que conhecemos bem. A facilidade que temos de lembrar o rosto das pessoas, ou de não esquecer de pagar os boletos, ou ainda se recordar de trancar o portão ao sair de casa. É uma memória do corpo (ou, mais propriamente, do cérebro). Os animais também possuem esse tipo de memória: um cachorro que já sofreu maus tratos sairá correndo ao ver um homem com um chicote – porque ele se lembra. Esta “memória carnal” não é ruim em si. Ao contrário, pode nos ajudar em muitas coisas, como nos estudos, no trabalho, na organização pessoal ou mesmo na convivência social. Entretanto, não é este o tipo de memória mais importante.
O segundo tipo de memória – este sim, fundamental! – é aquele que somente os seres humanos possuem. Isto porque não está localizado propriamente no “corpo”, mas reside no profundo da alma. É aquilo que chamamos em latim de “memoria Dei” (ou seja, memória das coisas de Deus). Infelizmente, não é um tipo de memória muito cultivado nos dias atuais, mas que possui um potencial gigantesco de nos auxiliar na vida espiritual – notadamente na busca da santidade!
Mas em que consiste propriamente esta “memoria Dei”? Resumidamente, é a capacidade da nossa alma em se lembrar das grandes verdades relativas ao nosso Senhor, bem como da nossa humilde condição. Através da “memoria Dei”, podemos nos recordar das promessas feitas pelo Altíssimo, das graças recebidas por nós no passado e dos ensinamentos mais importantes da Santa Igreja. Mais ainda: podemos nos recordar da nossa condição pecadora e da incapacidade que temos quando estamos longe de Deus.
E por que esta “memória de Deus” é tão importante?
O ser humano, após o pecado, é um sujeito muito mal-agradecido. Com imensa facilidade e rapidez, nós temos a triste capacidade de nos esquecer do bem que nos fizeram no passado. Tantas e tantas vezes somos agraciados com verdadeiros milagres e, mesmo assim, voltamos a ignorar a Deus depois de uma semana. São Padre Pio, certa vez, disse uma frase reveladora a nosso respeito: “Muitas vezes o Senhor não nos escuta para que não pequemos por ingratidão”. E aqui entra a importância capital desta reflexão: nós somos ingratos justamente quando não fazemos uso da “memoria Dei”.
Vamos a exemplos. Se São Pedro tivesse se lembrado do episódio grandioso da Transfiguração (Mt 17, 1-9), onde o rosto de Cristo “brilhou como o Sol”, ele não teria ficado tão assustado com a prisão do Senhor e não o teria negado por três vezes. Caso os discípulos tivessem se lembrado dos avisos dados por Jesus (por pelo menos três vezes) sobre como deveria sofrer e morrer por amor, não teriam fugido apavorados quando os soldados apareceram. Do mesmo modo, se São Tomé tivesse se recordado dos milagres grandiosos feitos pelo Mestre – como a multiplicação dos pães ou a ressurreição de Lázaro –, não teria duvidado do anúncio da ressurreição do Senhor.
Vejam como é importante nos lembrarmos das “coisas de Deus”! Mas não precisamos ir muito longe para percebermos a falta que faz a “memoria Dei”. Muitos cristãos modernos perderam o medo de pecar porque se esqueceram da existência do inferno. Milhares de pessoas se tornam depressivas e solitárias porque se esqueceram de que Deus está próximo e nos ama até o ciúme (cf. Tg 4,5).
Mas, talvez, uma das maiores vantagens obtidas pela “memoria Dei” seja a recordação dos nossos próprios pecados. O fato de olharmos para o nosso passado e vermos o quanto a nossa natureza é miserável e pecadora, também é um meio de conversão. Para que o orgulho não domine os nossos corações, precisamos nos recordar em todos os momentos de que somos capazes das maiores atrocidades e maldades quando não estamos acompanhados do Espírito Santo. Não estou dizendo que devemos ficar olhando para trás e lamentando os erros do “ontem”, mas devemos, sim, nos lembrar de que não somos merecedores por nós mesmos e, mesmo assim, fomos salvos pela misericórdia de Deus.
Uma âncora que mantém o nosso coração fixo no céu
Portanto, se eu desejo crescer no caminho da santidade, não posso me esquecer de tudo o que Deus fez e continua fazendo por mim. O Senhor não descumpre as suas promessas e não muda de ideia no meio do caminho. Vejamos o exemplo de Abraão, que tinha todas as evidências em seu desfavor e continuou firme na vontade de Deus, porque se lembrava da promessa e da aliança. Ou Santa Teresinha que, mesmo nas maiores provações de sua fé, cantava as misericórdias do Altíssimo e se recordava de que atrás das grossas nuvens ainda havia um Sol a brilhar. Ou, ainda, todos os mártires, que derramaram seu sangue, não porque fossem meros fanáticos, mas porque se lembravam de que há uma vida muito melhor do que esta.
Nós somos herdeiros das promessas e da aliança feita por Deus (cf. Gl 4,28). No dia em que esta verdade se tornar viva na nossa memória, já não cairemos facilmente em enganos e armadilhas do maligno. No dia em que o sacrifício da cruz do Senhor se fixar na nossa “memoria Dei”, jamais participaremos de uma Santa Missa da mesma forma. No dia em que nos lembrarmos com confiança da promessa de que “as portas do inferno não prevalecerão” (Mt 16,18), não voltaremos a questionar qualquer norma ou ensinamento da Igreja.
Mas como obter esta memória de santidade? O que eu posso fazer para me lembrar sempre das coisas de Deus? Meu irmão, eu te darei três conselhos:
1º) Estude as Sagradas Escrituras e a Doutrina da Igreja.
A memória age sobre a nossa inteligência e, portanto, precisamos formá-la com conhecimentos seguros. Comece aos poucos: 15 minutos de leitura por dia, depois vá aumentando. Busque cursos ou livros sobre os ensinamentos da Santa Igreja (a Comunidade Pantokrator oferece alguns cursos excelentes). Evidentemente, para que nos lembremos de algo, é necessário que conheçamos antes.
2º) Faça oração pessoal e diária.
A “memoria Dei” não é somente uma capacidade humana, mas antes de tudo uma graça concedida pelo próprio Deus. Peça isso ao Espírito Santo com insistência. Aliás, preste bem a atenção a esta promessa feita pelo Cristo: “Mas o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ensinar-vos-á todas as coisas e vos recordará tudo o que vos tenho dito” (Jo 14, 26).
3º) Recorra sempre à Santa Mãe de Deus.
A Virgem Santíssima é o maior exemplo de uma criatura que vivia com o coração ancorado no céu. A própria Escritura afirma sutilmente que Nossa Senhora, após presenciar alguma realidade divina, “guardava tudo em seu coração” (Lc 2, 19 ou Lc 2,51). Imploremos à nossa grande intercessora que nos ensine a cultivar uma verdadeira e edificante “memoria Dei”.
Certa vez, perguntaram a Santa Teresinha se às vezes ela perdia a presença de Deus. Ela simplesmente respondeu: “Oh! Não, creio que nunca fiquei três minutos sem pensar em Deus”. A pessoa que perguntava ficou impressionada com a resposta e quis saber como aquilo era possível. Com simplicidade, Teresinha explicou: “Pensa-se naturalmente em quem se ama”. A exemplo da nossa Irmãzinha do Carmelo, que possamos manter sempre o nosso coração e a nossa memória no Amado das nossas almas.
Que Deus nos abençoe sempre!
Rafael Libório
Discípulo da Comunidade Católica Pantokrator