Este ano de 2020 ficará marcado em nossa memória, isso é fato. Há uma pandemia acontecendo que, para ser administrada, necessitou e continua necessitando contar com um esforço conjunto de cada família no mundo inteiro. Todos nós ficamos confinados dentro de casa, em isolamento social compulsório, conforme as determinações locais, resultando numa convivência familiar mais intensa.
Agora que a vida já está sendo retomada e de alguma forma está voltando ao normal, vamos fazer uma reflexão de como foi essa experiência, fazendo o recorte do ponto de vista familiar.
Como a família viveu esse desafio?
Com a rotina agitada do nosso cotidiano, é cada vez mais raro que haja muitos períodos em que todos os membros da família estejam juntos em casa, ao mesmo tempo. Provavelmente o domingo é o dia em que isso seja mais comum, quando as famílias se reúnem para uma boa e agradável refeição e, então, cada um segue com sua vida cheia de compromissos.
A pandemia mudou esse cenário drasticamente quando colocou todo mundo dentro de casa, juntos, 24 horas por dia, 7 dias por semana. A vida de fora foi adaptada para dentro e as paredes da casa se resumiram, durante aqueles meses, ao único espaço permitido de ser frequentado.
Qualquer convívio intenso é muito bom, pois dá a possibilidade de estreitar laços e viver a intimidade, o que é extremamente positivo levando em consideração o que foi citado em relação à rotina corrida que nos impede de estar próximos uns dos outros. Do convívio intenso também podem surgir tensões e desentendimentos: todos são a mesma família, mas a individualidade pode ser atingida pela coletividade, a privacidade ficar comprometida em função da presença constante de todos em casa.
É um desafio manter a harmonia. O ser humano é repleto de complexidade e sua individualidade impacta na forma como encara e vive as situações diversas. O ambiente familiar também influencia nessa vivência, podendo ajudar ou atrapalhar na superação dos desafios da vida.
Diante das incertezas que a pandemia nos trouxe, da instabilidade emocional, econômica, da possibilidade de sermos atingidos em nossa saúde e da “mesmice” do cotidiano, estar em família é uma bênção, porque nela encontramos o apoio mútuo. Podemos olhar ao redor, e mesmo diante das falhas de cada um e dos problemas das mais variadas ordens, consideremo-nos abençoados, porque temos uns aos outros. Aqueles que são sozinhos e que não tem a família por perto sofrem por não poderem contar com ninguém.
Este tempo de quarentena proporcionou aos membros das famílias que se conhecessem melhor, que estreitassem laços e, convivendo mais, se amassem. A verdade é que a agitação dos compromissos e a agenda apertada nos distancia daqueles que amamos mais e este período de isolamento social nos escancarou isso. Dependendo de como cada um leva a vida, corremos o risco de sermos estranhos morando na mesma casa, porque a correria nos impede de nos relacionar com qualidade uns com os outros. Veja, a correria de trabalho e estudo é lícita, porém deixa de ser saudável quando por ela não temos tempo para o outro.
Ao vivenciar tantas privações, o ser humano começa a refletir sobre o que realmente vale a pena na vida, o que realmente importa e é essencial. É bom poder sair, passear, viajar, mas fazer tudo isso sem ter um lar, uma base para onde recorrer se fixar torna todo o resto relativo. A pandemia nos mostrou que o essencial da vida, a felicidade e a realização, está no amor, e o primeiro lugar onde experimentamos o amor é na família.
Foi um período de mais amor, de perdão, de estreitar amizades, de conviver. Foi também momento de tocar nas relações desgastadas e lutar por elas. A quarentena devolveu a cada um de nós a importância de estarmos juntos em família, de nos amarmos mutuamente, de valorizarmos cada momento unidos, pois sem tudo isso possuiríamos uma grande lacuna em nós.
Façamos uma reflexão sobre o significado da família segundo o projeto de Deus.
Na família, somos educados e formados, onde encontramos o apoio necessário para a vida, quando de nossos pais e autoridades herdamos os valores morais, éticos e de fé, a cultura que nos compõe, além da experiência de amor mútuo que nos preenche e nos dá segurança. A família é a base da sociedade, o porto seguro do homem, a Igreja doméstica nascida da aliança matrimonial.
“O Filho unigênito, consubstancial ao Pai, «Deus de Deus, Luz da Luz», entrou na história dos homens através da família: «Pela sua encarnação, Ele, o Filho de Deus, uniu-Se de certo modo a cada homem. Trabalhou com mãos humanas, (…) amou com um coração humano. Se é certo que Cristo «revela plenamente o homem a si mesmo», fá-lo a começar da família onde Ele escolheu nascer e crescer. Sabe-se que o Redentor passou grande parte da sua vida no recanto escondido de Nazaré”. (CARTA DO PAPA JOÃO PAULO II ÀS FAMÍLIAS – GRATISSIMAM SANE, 1994).
Como disse São João Paulo II, Cristo escolheu nascer e crescer no seio de uma família. Ao viver seus anos como homem nesta terra, santificou a vida humana e, por consequência, a família, e a devolveu a nós quando entregou o mundo recapitulado e ordenado ao Pai em sua ascensão aos céus. Assim como Cristo deu à família inúmeros valores e a elevou à santidade, o mundo e sua cultura de morte também oferecem contravalores que fortemente ecoam e nos cercam por onde quer que estejamos, dada a grande importância que ela tem.
A família pode correr perigo de fora se dentro dela os membros não estiverem unidos aos valores de Cristo e da Igreja.
“A FAMÍLIA nos tempos de hoje, tanto e talvez mais que outras instituições, tem sido posta em questão pelas amplas, profundas e rápidas transformações da sociedade e da cultura. Muitas famílias vivem esta situação na fidelidade àqueles valores que constituem o fundamento do instituto familiar. Outras tornaram-se incertas e perdidas frente a seus deveres, ou ainda mais, duvidosas e quase esquecidas do significado último da verdade da vida conjugal e familiar”. (Exortação Apostólica do Papa João Paulo II sobre a função da família no mundo de hoje – Familiaris Consortio, 1981)
Podemos aferir que a família é um grande bem dado por Deus a cada um de nós. Bem de altíssimo valor e por isso é tão atacado pelas forças que desejam a alegria de pertencer a um lugar sólido que nos acolha. Sem o sentimento de pertença à família, perdemos a nossa identidade, e quem não sabe de onde veio e para onde vai pode ser facilmente influenciado a seguir por outros caminhos, muitas vezes escuros e tortuosos.
Ninguém tem uma família perfeita, porque a família é composta por seres humanos falhos. Somente a família de Nazaré foi perfeita e, por isso, é o grande modelo a ser seguido. Entretanto, a pandemia vem nos falar o quanto precisamos zelar pela nossa família, imperfeita mesmo, por esse bem precioso que nos foi dado gratuitamente para nossa felicidade.
Zelar pela família implica em cuidar dos seus membros, em amá-los, acolhê-los, educá-los na fé e nas virtudes, apoiá-los em todas as circunstâncias. Uma família unida jamais poderá ser abalada e o elo mais sólido que pode manter uma família unida é Cristo.
Fim de ano é tempo de reflexão e de contemplação; tempo de novas perspectivas e metas e tempo de avaliar aquilo que não está dando certo para criar novas estratégias. Contemos com a graça de Deus para zelar por nossas famílias, protegendo-as contra tudo o que pode nos afastar delas, seja por motivos lícitos como uma agenda de trabalho ou por distrações e descuidos. Que não precisemos de nenhuma outra pandemia para nos lembrar que somos chamados ao amor e que o amor tem nome, é Jesus.
Que o amor de Jesus nos capacite! Deus abençoe você!
Luciana Santos Ronqui
Consagrada da Comunidade Católica Pantokrator