As relações humanas são quase sempre complexas e cheias de conflitos. Nós, seres humanos, somos muito diferentes e repletos de imperfeições e defeitos. Estes conflitos nos deixam marcas que, em menor ou maior grau, precisam ser tratadas, e o Pai, na pessoa de Jesus, mostrou-nos que o perdão é o meio mais eficaz de se desfazer de todas essas marcas que causamos em alguém ou que causaram em nós.
Quantas vidas ainda estão presas no passado por situações vividas que geraram grandes mágoas que não foram tratadas, evoluindo assim para doenças físicas, mentais ou espirituais?
Há um enorme senso de justiça quando lidamos com o erro do outro. Queremos dar àquele que nos ofendeu exatamente o que ele merece, uma punição pelo mal que causou. E, essa punição pode se dar em diferentes âmbitos: sociais, financeiros, sentimentais ou físicos. Esse modo de pensar pode ser exemplificado na famosa lei de Talião: “olho por olho, dente por dente”. De forma resumida, também pode ser descrita como “A justa reciprocidade do crime e da pena. Tal pena para tal crime. O mal que alguém faz a outro deve retornar a este através de um castigo imposto, na proporção daquele mal” (1).
Imagine se Deus nos julgasse conforme nossos pecados. Ainda bem que Ele “não nos trata segundo nossos pecados, nem nos castiga em proporção às nossas faltas” (Sl 103,10).
A lógica de Deus é diferente, sua misericórdia e seu amor ultrapassam toda justiça humana., Deus não se cansa de nos perdoar quando há em nós um arrependimento sincero. O Cristianismo tem uma proposta que transcende a razão humana. Perdoar àqueles que nos ofendem é dar ao outro aquilo que ele não merece, é olhar além da justiça, é de fato viver e agir segundo o amor.
É, é ser louco nos dias atuais, em que a regra é querer sempre estar com a razão e nunca ser capaz de pedir ou dar o perdão. “Perdoar é uma das ações humanas mais difíceis. A injustiça provoca uma reação intensa, e muitas vezes parece que perdoar seria um equívoco, como se fosse uma aprovação da agressão, uma aceitação covarde do mal sofrido” (2).
Tenha compaixão do teu irmão assim como Deus tem compaixão de ti
A parábola do servo cruel do evangelho de Mateus nos conta a história de um rei que quis ajustar as contas com seus servos. Esse rei cobrou um homem que lhe devia dez mil talentos, mas lhe perdoa a dívida, pois o devedor lhe suplicou e não tinha como pagar.
Porém, este que foi perdoado pelo rei, ao encontrar um dos seus companheiros que lhe devia muito menos, não age com compaixão e manda prendê-lo mesmo diante do pedido para um prazo maior. Vendo a situação, o rei manda chamar o servo cruel e lhe diz: “Não devias também tu compadecer-te de teu companheiro de serviço, como eu tive piedade de ti?” (Mt 18,33).
Em muitas situações nos comportamos como esse servo mal. Jesus pagou toda a nossa dívida que era impagável na cruz nos libertando das garras do pecado. E esse valor foi altíssimo, o preço foi todo o sangue e sofrimento do seu Filho Jesus. Por que nós não podemos perdoar a dívida daqueles que nos ofendem? Como queremos ser perdoados por Deus se não temos um coração inclinado ao perdão ao nosso próximo? Por maior que seja a dívida que seu irmão tenha contigo, nada supera o preço que toda humanidade deveria pagar a Deus.
O perdão é algo tão importante que, em muitas passagens do evangelho, vemos Jesus falando e ensinando sobre esse tema aos seus discípulos. A, alguns exemplos são: No alto da cruz: “Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34a). Ou, então, quando Pedro lhe pergunta :“Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar
contra mim? Até sete vezes? E Jesus responde: Não lhe digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete” (Mt 18, 21-23). Mais uma vez, em um diálogo com Pedro: “Quando vocês estiverem rezando, perdoem tudo o que tiverem contra alguém, para que o Pai de vocês que está no céu também perdoe os pecados de vocês” (Mc 11, 25).
Perdão: fruto da graça de Deus
Por fim, há uma pergunta que pode surgir em nós, que é o título deste artigo: Não consigo perdoar, o que faço? Por nós mesmos, não temos essa capacidade de perdoar, tudo o que há em nós sem o Espírito Santo é mal. A soberba talvez seja um dos grandes empecilhos para que a graça do perdão aconteça, pois nos domina quando achamos que somos melhores do que aqueles que nos ofenderam, quando pensamos que nunca iríamos praticar aquele mal. Utilize a chave poderosa da humildade que fecha a porta do orgulho. No mundo, ainda seremos muito humilhados, caluniados, injustiçados, pois o próprio Jesus passou por tudo isso. O perdão é um fruto genuíno do amor de Deus na vida daqueles que vivem segundo Seu Santo Espírito. Tenha coragem de viver o perdão em sua vida!
Jesus manso e humilde de coração.
Fazei do nosso coração semelhante ao vosso.
Raul Cézar Aparecido dos Santos Cid
Postulante da Comunidade Católica Pantokrator
NOTA
1. https://www4.policiamilitar.sp.gov.br/unidades/dpcdh/Normas_Direitos_Humanos/LEI%20D
O%20TALI%C3%83O.pdf. Acesso em 20 fev. 2024
2.https://www.padrefaus.org/storage/2017/12/Homem-que-sabia-perdoar.pdf. Acesso em
16 fev. 2024.