Lá em Brasília, em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal, existe uma estátua para simbolizar a “Justiça”. É uma mulher sentada, com os olhos vendados (para significar a imparcialidade das decisões) e com uma espada na mão (para significar a força que possui para impor as regras). A estátua é o símbolo de algo abstrato. No entanto, curiosamente, se pararmos para prestar a atenção, veremos que estamos cercados por “estátuas de Justiça”, em todos os lados. Veja bem: se uma pessoa se atrasa para um compromisso: “Este é um irresponsável mesmo”; se uma criança chora desesperadamente em um local público: “A culpa é dos pais, que não sabem educar direito”; se um padre, em algum lugar, faz uma injustiça contra alguém: “Está vendo, a Igreja Católica sempre foi perversa”. Essa lista poderia prosseguir por muitas e muitas páginas, mas a questão é bem simples. Será que essas “sentenças” proferidas com tanta facilidade pelas pessoas são aquilo que poderíamos chamar de Justiça?
A grande verdade é que o orgulho – aquele mesmo do pecado original – penetrou em nossos corações e, desde então, temos essa convicção íntima de que estamos acima do bem e do mal. Significa que todos nós temos uma “espada da justiça” guardada para ser utilizada em todas as situações, julgando tudo e todos. Mas não se engane: isso não é justiça (ao menos, não é aquela verdadeira virtude da justiça, tão querida por Deus).
Entretanto, Jesus vem nos dizer aquilo que, em outro momento, disse a Pedro: “Guarde a sua espada na bainha” (Jo 18, 11). Realmente, de todas as pessoas deste mundo, o Filho de Deus é aquele que mais teria motivos para vir e condenar a todos. Mas foi justamente Nosso Senhor quem nos ensinou a sair deste “justicismo” cego para entrar na lógica do amor verdadeiro.
De fato, a justiça sem misericórdia corre um grave risco de se tornar vingança. Jesus criticou no Evangelho aqueles que vivem sob o princípio do “olho por olho, dente por dente”. Ao contrário disso, deixou a surpreendente instrução: “Se alguém te ferir a face direita, oferece-lhe também a outra. Se alguém te citar em justiça para tirar-te a túnica, cede-lhe também a capa. Se alguém vem obrigar-te a andar mil passos com ele, anda dois mil” (Mt 5, 39-41).
Em um primeiro momento, essa instrução de Cristo parece algo inconcebível, uma loucura impensável. Talvez o nosso primeiro pensamento seja: “Imagina… Sou cristão, mas não quero ser feito de tonto”. Contudo, aqui está a beleza: não se trata de ser tonto, mas de ser livre. Um animal não consegue escolher fazer o bem, pois está preso aos seus instintos. Nós (filhos de Deus) não precisamos nos limitar a cumprir nossos “instintos justiceiros”; ao invés disso, podemos optar pela caridade.
SERÁ QUE EU TAMBÉM FUI CONTAMINADO POR ESSA “FEBRE DE JUSTIÇA”?
Certo dia, conduziram uma mulher até Jesus e o informaram que ela foi flagrada em adultério. Lembraram ao Mestre que, pelas leis antigas, a pecadora deveria ser apedrejada. Em outras palavras, é como se os fariseus dissessem a Jesus: “Queremos fazer justiça. Ela errou e precisa sofrer as consequências”. De fato, o adultério é um pecado gravíssimo, além de ser a causa de destruição de muitas famílias. Entretanto, Jesus levou aqueles homens a refletir: “Quem de vós estiver sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra” (Jo 8, 7). Não há dúvidas de que o Senhor abomina o pecado (afinal, mandou a mulher não pecar mais). Porém, o Senhor prefere usar de misericórdia do que usar de Justiça.
É preciso que nós compreendamos algo importantíssimo. Você e eu, querido(a) leitor(a), mereceríamos as penas do Inferno por causa dos nossos pecados.
Cada mínima ofensa que fazemos a Deus é uma ingratidão extraordinária, pois demonstra que cuspimos na mão d’Aquele que nos dá a vida e todos os bens. Se Deus resolvesse nos tratar conforme o nosso merecimento, estaríamos completamente perdidos para sempre. Graças a Deus, como nos lembra o salmista, “O Senhor é bom e misericordioso, lento para a cólera e cheio de clemência” (Sl 102, 8).
Por essa razão, precisamos tomar muito cuidado quando queremos nos colocar como juízes dos outros, a ponto de sentenciar quem é bom e quem é mau; quem é justo e quem é injusto; quem deve viver ou morrer. Ainda que façamos isso com a melhor das intenções, é preciso que tenhamos em mente a palavra de Nosso Senhor: “Com a medida que medirdes, vos medirão a vós” (Mc 4, 24).
Somente Deus é quem sabe tudo o que se passa no coração dos homens (cf. 1Sm 16, 7). Quanto a nós, deveríamos nos esforçar por enxergar tudo sob a ótica do amor. Um grandioso exemplo é Santa Teresinha do Menino Jesus. Ela vivia em um Carmelo junto com várias outras irmãs; nem todas eram tão agradáveis assim. Algumas dessas irmãs tinham comportamentos dignos de reprovação e de julgamentos. Mas a nossa querida santinha fazia um esforço heroico para tentar ver tudo com olhos de amor: “(…) Quando quero aumentar em mim esse amor, principalmente quando o demônio tenta colocar ante os olhos de minha alma os defeitos desta ou daquela irmã que me seja menos simpática, apresso-me em procurar suas virtudes, seus bons desejos. Digo entre mim que, se a vi fraquejar uma vez, pode ela muito bem ter alcançado grande número de vitórias, e esconde-as por humildade, e mesmo aquilo que me parece falta, pode muito bem ser ato de virtude, por causa da intenção” (História de Uma Alma, Manuscrito C).
Amigo(a), se você teve a paciência de me acompanhar até aqui, faço-lhe uma proposta: sejamos como Teresinha. O mundo já possui muitos juízes, muitas “espadas de justiça”. Que nós possamos ser agentes da misericórdia, fazendo sempre o esforço de enxergar as boas ações dos outros e rezando verdadeiramente por aqueles que precisam de conversão. Ao invés de criticar ou ironizar um padre ou uma autoridade, que tenhamos a disposição de amá-los e pedir a Deus por eles. Que da nossa boca deixem de sair venenos e maldições para sair bênçãos e louvores.
Louvado seja o Nosso Senhor Jesus Cristo!0707
Rafael Aguilar Libório
Discípulo da Comunidade Católica Pantokrator