Quem poderia imaginar que o mundo todo, praticamente ao mesmo tempo, se submeteria compulsoriamente ao isolamento social para tentar conter o avanço de um vírus? Todo esse sacrifício individual foi em vista de um bem comum, mas a realidade é que a natureza do ser humano tem dificuldade de lidar com o isolamento, porque a uma certa altura ele poderá ser sinônimo de solidão e, consequentemente, tristeza.
Estávamos todos caminhando com nossas vidas, planos, projetos e, de repente, tudo precisou de um freio. Tivemos que nos adaptar, de um jeito ou de outro a uma nova realidade que chegou de repente e que foi ficando por um tempo demasiadamente longo.
Adaptamos o trabalho, a escola, a participação nas missas, as compras, o lazer e muitas outras situações do cotidiano. Passamos a experimentar todas as dimensões da vida contidos dentro dos limites de nossas casas, para colaborar com a prevenção da doença e ao mesmo tempo deixando a vida transcorrer o mais naturalmente possível ainda que nada disso seja natural.
O isolamento nos exige mudanças
É necessário ter muita resiliência psíquica e espiritual para lidar com essa situação. A falta de contato físico com outras pessoas e lugares, após certo tempo, começa a ser encarada como solidão e abandono para alguns.
Acompanhar missas, grupos de oração e terços através da TV e computador exigem maior esforço para não cair na distração e no desânimo. Assim também é com o trabalho e os estudos. Houve um aumento de doenças psiquiátricas como a depressão e ansiedade, além dos distúrbios alimentares e do sono. Alguns experimentaram um esgotamento físico e mental que vieram juntamente com uma perda de sentido da vida.
Afinal de contas, não é simples a tarefa de se ver fechado fisicamente e não deixar com que essa sensação domine a mente e o coração. Mas só há uma forma de lidar com isso e é com a ajuda de Deus.
Por que essa solidão nos incomoda tanto?
Deus nos criou à Sua imagem para vivermos com Ele; para que vivêssemos Nele, unidos e com nossos irmãos em comunidade. Esse é o sentido de nossa criação, o propósito, o para quê existimos, portanto, nossa alma se aquieta e descansa apenas quando está com Deus. Ele não nos criou para vivermos independentes, mas sim para estarmos com Ele.
Era assim que Ele quis que fosse desde o início, porém o pecado rompeu essa união e por isso temos que nos esforçar muito para voltarmos à nossa origem. Podemos dizer que a partir do pecado original, o coração humano vive em busca do retorno ao coração de Deus, pois é lá que ele experimenta a plena felicidade.
É uma tarefa difícil manter a alma unida ao Senhor em meio ao mundo, porque somos distraídos e fatalmente nos distanciamos Dele. Outras coisas acabam nos roubando de Deus e essa união, que deveria ser ordinária e constante, acaba sendo esporádica e frágil. É certo que Deus sempre está perto e pronto para nos encontrar, entretanto, nós é que nos distanciamos quando estamos ocupados e até apegados a outras coisas. Desta maneira, somos nós que nos colocamos em posição de solidão e não o Senhor.
A solidão na vida humana
A solidão é intrínseca à vida humana, pois significa a lacuna do Seu Criador. É o aviso que nos lembra da falta que Deus faz. Sob essa ótica entendemos que a solidão é algo importante, pois é através dela que nos unimos a Deus e conseguimos amar-nos uns aos outros. Não podemos temê-la e muito menos fugir dela.
A busca para preencher o vazio da solidão não pode se limitar às coisas deste mundo, porque são efêmeras. A família, os amigos, o trabalho, os estudos, o sucesso, nada disso preenche esse vazio, apenas a presença de Deus. A solidão é a sensação de saudade de Deus e não pode ser resolvida por coisas ou outras pessoas. Será perda de tempo.
Muitas pessoas se sentiram vazias ao se submeterem ao isolamento pela pandemia, com a sensação de que tudo lhe foi tirado. Esse pode ser um sintoma de que suas vidas não estavam apoiadas em Deus, mas sim nas coisas passageiras deste mundo. Na ausência delas, a solidão bate de maneira violenta, pois a alma está fraca sem a presença de Deus, o único que pode saciar por completo a nossa sede.
Quando a solidão chega ao coração, a primeira atitude deve ser a retirada para a oração, que é o local do encontro com o Senhor. Sem esse encontro a alma se sentirá cada vez mais só e essa solidão de Deus pode acontecer mesmo quando estamos rodeados de muitas pessoas.
Por isso, o isolamento social na pandemia pode ser um momento propício de encontro com Deus se soubermos utilizar essa retirada compulsória da maioria das distrações do mundo estrategicamente. Devemos permitir que nos leve à união com Deus para nos enchermos Dele e nos revigorarmos, e assim ter suporte para enfrentar as exigências que este momento nos apresenta.
A quarentena pode deixar latente algo que é facilmente encoberto por tantos afazeres e distrações: nossa alma estará só enquanto não estiver em Deus.
Buscar o encontro com Deus
Muitas pessoas estão experimentando a solidão de uma maneira negativa, pois não estão conseguindo se retirar dos barulhos que as distraem de Deus. O cenário é de caos, estamos lidando com notícias pesadas diariamente e a falta de contato com nossos amados nos deixa tristes. Um coração que está em Deus pode viver tudo isso com fé e esperança, mas nunca em solidão. Pode haver ausência de pessoas ao seu redor, mas não se sente só, porque no íntimo se reconhece a presença de Deus.
Estar sozinho e isolado em casa para cumprir a lei civil do isolamento social não precisa ser sinônimo de solidão, se estiver com o coração ancorado em Deus. Da mesma maneira, pode-se estar rodeado de amigos numa festa, por exemplo, e ainda se sentir sozinho. Tudo depende de uma atitude interior, portanto, isolamento não significa, necessariamente, solidão.
Encontrar a liberdade interior
Essa atitude interior é a nossa liberdade e tudo depende de como a orientamos. Ela nada tem a ver com limites exteriores, como nos relatou Viktor Frankl, criador da Logoterapia. Este médico judeu austríaco (alemão), que experimentou o cárcere dos campos de concentração da 2a Guerra Mundial, descobriu a fascinante experiência de viver a liberdade interior como um tesouro íntimo que ninguém pode roubar. Nem mesmo o mais terrível sofrimento, dizia ele em seu testemunho de vida, pode nos tirar a liberdade, pois esta é a “arma” que temos para nos defender de qualquer situação potencialmente opressora.
Traduzindo para o nosso contexto, seria dizer que a pandemia e o isolamento social não podem nos oprimir a menos que deixemos.
A forma como enxergamos o mundo e como concebemos essa pandemia é uma decisão pessoal, que determina a nossa resposta de vida, concretizada quando se encontra um sentido. Isso responde à pergunta no início, do porquê a solidão nos incomoda tanto. Se a solidão incomoda é porque ainda não se encontrou o sentido e a liberdade não está orientada para essa busca.
A liberdade foi dada por Deus para que através dela O buscássemos. A liberdade pressupõe escolha. Se com nossa liberdade fizermos constantemente a experiência original de união com Deus e permanecermos Nele não haverá mais solidão, pois esse é o sentido da vida do homem.
Fazer da solidão uma experiência de conversão
Portanto, o incômodo da solidão, evidenciada pela pandemia ou não, pode significar que a busca por Deus precisa ser amadurecida. Isso pressupõe sair da zona de conforto num movimento interior que leve a Deus, distanciando-se assim de tudo o que não é Ele.
Precisamos aprender a buscar constantemente o Senhor, reconhecendo que somos Dele e sem Ele ficamos sozinhos e infelizes. Essa é uma verdade do ser humano que jamais poderá ser alterada. Fugir disso é buscar a verdadeira solidão que gera a profunda tristeza da falta do amor de Deus. Repito, fugir de Deus é ir de encontro à real solidão do vazio de sentido.
Se a quarentena e o isolamento social estão trazendo angústia, tristeza, ansiedade e pensamentos ruins é sinal de que a alma está cansada de ficar longe de Deus a ponto de o corpo e a mente se esgotarem. Uma alma ancorada e unida a Deus é capaz de suportar os desafios da vida com mais leveza, basta apenas fazer da solidão um momento privilegiado de retorno a Deus.
Se esse movimento acontece com constância, robustecemos nossa alma, encorpamos a nossa liberdade e crescemos. Isso é conversão e amadurecimento.
Deus quer filhos maduros, resilientes, felizes e unidos a Ele. Que essa pandemia seja uma grande oportunidade de buscarmos tudo isso para o grande louvor da glória de Deus.
Deus te abençoe e guarde!
Luciana Santos Ronqui
Consagrada da Comunidade Católica Pantokrator
Respostas de 2
Que grande oportunidade essa a de estar sozinho, em pleno e maravilhoso contato com Deus! Na verdade, o homem está demasiadamente habituado ao contato com outro, as vezes de maneira banal, em um relacionamento infrutífero e , não raro, perigoso para a fé.. Grandes homens de pensamento ( Ghandi, Jung) buscavam voluntariamente a solidão , para recarregarem suas baterias… Jesus buscou a solidão, São Paulo buscou a solidão, São João Batista vivia em solidão… A solidão não é um monstro! Pode ser uma maravilhosa amiga! Há mesmo algo de especial na solidão! Não foi a toa que Jesus recomendou que, quando quiséssemos falar com Deus, que entrássemos em nosso e, em segredo, falássemos com Ele! Em nosso quarto, em solidão! Lindo e inspirador artigo esse da irmã Luciana! Muito obrigado por compartilhar! Deus a abençoe também!
Amém, louvado seja Deus.