A fidelidade é um hábito bom, uma atividade voluntária e permanente, uma força que inclina a cumprir com sinceridade e valentia os compromissos adquiridos, as promessas feitas e a palavra dada. Pode-se defini-la como o devotamento voluntário prático e completo de uma pessoa a uma causa. O homem é fiel quando considera que uma determinada causa é digna de seu empenho, quando se consagra de maneira voluntária e completa a esse empreendimento, quando a ele se dedica de forma contínua e prática trabalhando firmemente a seu serviço.

fidelidade

Em três palavras, fidelidade é não se limitar a seguir os impulsos próprios mas, viver valores que ultrapassam a temporariedade da pessoa e mantê-los livre e generosamente. A pessoa fiel encontrou a melhor expressão do amor e por isso é feliz com as exigências que a sua fidelidade lhe impõe. Pela fidelidade o homem ama e expressa o seu amor. Não é questão de sentimentos passageiros, mas uma decisão não sujeita aos vai-e-vens da sensibilidade.” João Paulo II

A fidelidade pressupõe: uma causa a ser fiel; o compromisso com essa causa e a liberdade de se comprometer. Sem essas três palavras – causa, compromisso e liberdade –não existe fidelidade.

O Amor, a causa

Para haver fidelidade é preciso ter uma causa que, na escala de valores do sujeito, seja a mais digna de seus esforços e empenhamento. A causa que fundamenta todas as fidelidades é a causa primeira do homem: Deus. A fidelidade a Deus gera a vida de fidelidade a tudo que é legítimo bem.

A fidelidade a Deus é antes de tudo um dom, pois não é simples propósito do homem, mas fruto da fidelidade de Deus ao homem. A fidelidade de Deus ao homem, por sua vez, é a expressão de Seu amor pelo homem. A fidelidade do homem a Deus nasce da descoberta do amor de Deus por nós e esse amor é “escandaloso”. Desde o início Deus tem revelado sua benevolência com o homem. Mas é Jesus que manifesta o Pai como alguém que é Presente, Providente, Misericordioso, Paciente…Enfim, bom, perfeitamente bom. Manifesta aos homens o amor de Deus que se dá incondicionalmente ao homem na cruz. Jesus manifesta um Deus tão amor que o apóstolo João vai identificar Deus com o amor dizendo: Deus é amor.

O amor de Deus pelo homem não é um amor qualquer, mas é amor devorador Cf Dt 4, 24 . Deus nos criou para Si, não para compensar alguma necessidade Sua (a Deus nada falta), mas para satisfazer seu amor absoluto que faz de Deus o ser plenamente para o outro. Na intimidade da Trindade, as Pessoas Divinas são eternamente para as outras duas. Mas a Trindade também é para o outro e por isso Deus criou o homem que é o outro de Deus. O amor, no entanto, não aceita essa condição de distância em que o amado é um outro. Quer o amado junto de si, unido a si, dentro de si. Por isso Deus atrai o homem para Si e, assim, o devora em Seu amor. O homem existe para ser mergulhado no Ser-Amor da Trindade, para ser devorado por Deus. Por isso a Bíblia diz que Deus tem por nós um amor até o ciúme (Dt 4, 24; Ex 20, 5; Ez 8, 3-5; Ez 36, 5-6; I Cor 10, 22b; Hb 12, 29; Tg 4, 4-5; Sl 90). Deus quer Sua posse do homem e isso é justo, pois Ele o tem duplamente: Ele nos criou e nos salvou. Mas, essa posse não é ciúme humano que quer o outro escravo de suas necessidades afetivas, sexuais e outros. Deus não precisa do homem e Seu ciúme significa zelo protetor e por isso Ele é o El Shaddai: O Poderoso que Zela e protege os Seus.

A causa da fidelidade é o amor de Deus. Amor infinito, amor imenso no qual nunca encontraremos um espaço que nos permita lhe ser infiel. Nesse amor total, nesse amor que apaixonadamente devora os seus é que se fundamenta nossa fidelidade.

A gratidão pelo Amor gera o compromisso

O compromisso nasce da gratidão do amor de Deus. A única coisa que temos a fazer para sermos devorados no amor de Deus é ser fiéis. Essa é a única resposta necessária. Nossa fidelidade não é nossa, mas nasce da perfeição do amor de Deus a nós e por isso é real. O compromisso consiste em retribuir o amor de Deus amando-O. O Compromisso da fidelidade para ser autêntico deve ser constante. Um instante de descompromisso desfigura a fidelidade. Por isso a fidelidade pressupõe incondicionalidade, pois é nas condições em que o compromisso é mais difícil é que vai se configurar a fidelidade, pois ela pressupõe a possibilidade de ser infiel. Quando o amor de Deus parece distante ou mesmo escondido é que se manifesta a fidelidade a Ele, pois a fidelidade não é “ação de momento” motivada pelos sentimento; é decisão da vontade mesmo que os desejos apontem para outros caminhos. Assim pode-se entender que a fidelidade é a melhor expressão do amor. É tendo tudo para ser infiel que o gesto da fidelidade comprova o amor.

A fidelidade a Deus não pode ser abstrata ou desencarnada, mas encontra em tudo o que é legítimo e bom sua concretude. Assim o compromisso com a vida (dignidade humana), os valores morais (como a castidade) e éticos, o civismo (como respeito pelas leis do Estado), a justiça social, a dignidade no trabalho, a santidade da família, os respeito aos irmãos e, sobretudo, o louvor a Deus, através da religião, dá verdadeiro significado à fidelidade a Deus.

Só pode ser fiel quem é livre

O amor ciumento de Deus tem uma profunda diferença do ciúme humano: o respeito à liberdade. Sem Liberdade não existe fidelidade. A fidelidade é uma decisão livre pela causa da fidelidade. Se há qualquer tipo de coação (ação de alguém sobre a ação de outro) já não há uma decisão pessoal pela causa, já não há liberdade. Por isso a vontade devotada à causa é uma marca da fidelidade. É verdade que em nosso amor imperfeito, até mesmo por Deus, precisamos de algo que nos momentos difíceis nos ajude em nossa fidelidade, sem ferir a liberdade. Essa ajuda à vontade é a lei. As normas nos orientam para o que é justo (causa da fidelidade) e se tem a força de ordem (me obriga ao compromisso), é uma lei. Só falta a vontade para completar a fidelidade. A vontade que está ofuscada pelos desejos contrários à causa se agarra à lei e com a força da lei se reorienta para a causa.

Assim a lei robustece a vontade enfraquecida e não acaba de matá-la e assim a liberdade é preservada. Todavia, se a lei é observada sem fé e amor a ela como luz que me orienta à causa da fidelidade, é mero legalismo e aí o compromisso, mesmo se observado, já não se configura como fidelidade, pois não se preservou a liberdade.

Ser Fiel em um mundo infiel

O mundo em que vivemos perdeu o sentido de fidelidade. A causa de toda fidelidade, que é Deus, como diz o filósofo, morreu. Para o mundo, Deus morreu. A capacidade de se comprometer é cada vez mais vulnerável, pois o mundo do prazer a cada dia rouba a capacidade do sacrifício e da disciplina, necessários para se honrarem os compromissos. Além disso, propaga-se cada vez mais a irreverência, que é negar a reverência a tudo que é tradicionalmente bom e correto. Cada um cria comportamentos próprios que são protestos contra o que é estabelecido. Nessa perspectiva, o indivíduo só obedece – e só é fiel – a si mesmo. A irreverência é uma forma sarcástica e mórbida de soberba. Quanto à liberdade, é fácil de se perceber que cada vez mais as pessoas são escravas dos seus instintos afetivos e sexuais, consumistas e materialistas, de supertições e espiritualismos, de poder e ganância e do sucesso. Em meio a tanta escravidão é difícil encontrar fidelidade!

É em meio a esse mundo em que a fidelidade está em crise (basta ver o valor do matrimônio que se sustenta na fidelidade ao outro) que Deus chamou a Comunidade El Shaddai a testemunhar e pregar a fidelidade. Para isso é preciso viver o martírio mais perene de todos que é morrer a cada dia, a cada instante para o pecado e nascer, ressuscitar para a fidelidade ao batismo recebido. Sim, para ser fiel aos valores evangélicos em tempos de tão fortes contravalores, é preciso ser mártir a cada instante.

Saibamos que, buscando a fidelidade, perseguimos a beleza da vida. A harmonia das formas no humano com a Verdade divina é o belo e a fidelidade é essa harmonia do coração e gestos humanos com o coração de Deus. O prazer, o bem-estar, o poder não são belos por si mesmos, só o são se estiverem em harmonia com a Verdade pela fidelidade. Não nos deixemos enganar buscando a beleza da vida nessas coisas. O prazer, por exemplo, só embeleza a vida quando vivido com fidelidade.

Dois fundamentos da fidelidade: Esperança e a Confiança na Misericórdia Divina

Para vivermos a busca de Deus, a fé, com fidelidade, é preciso a virtude da Esperança. Por ela nossa vontade é fortalecida na busca de Deus e de Seus bens em nossas vidas. Pela Esperança elevamos nosso coração aos Céus mesmo vivendo esse mundo. O mundo nos atrai em seus contravalores, mas a Esperança fixa nosso coração em Deus mantendo nossa vontade sempre viva para a fidelidade. A Esperança nos faz, mesmo na obscuridade de inúmeros desejos de pecado, manter firmes em Sua Palavra e leis. Trata-se de que a ESPERANÇA de nossas vidas é sempre Deus e de que n’Ele sempre podemos esperar em todas as situações. Muitas vezes a crise de fidelidade é uma crise de esperança.

Mas a mais extraordinária fidelidade foi a Cruz: nela não é a fidelidade do corrupto pelo Incorrupto, mas do Incorrupto pelo corrupto. Mas, pelo absoluto da misericórdia do Incorrupto, a corrupção humana se harmonizou com pureza divina. Em Cristo desfigurado na Cruz se expõe a forma humana mais bela de todas: a fidelidade do amor misericordioso. Na busca da fidelidade é preciso ter essa sabedoria: quando, apesar de tudo, formos infiéis nos gestos e assim desfigurarmos a beleza da vida, a fidelidade incondicional da misericórdia de Deus nos torna fiéis, contanto que permaneçamos fiéis em nosso coração e na confiança da Misericórdia Divina. Se formos infiéis, Ele continua fiel porque não pode desdizer-se II Tm 2, 13b. Portanto, pela fidelidade do amor misericordioso de Deus podemos dizer: Senhor em tudo Lhe seremos fiéis até o fim.

André Luis Botelho de Andrade
Fundador da Comunidade Católica Pantokrator

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