Elevar os olhos para a comunhão

comunhão

“No essencial, a unidade; no resto, a liberdade; em tudo, a caridade.”(Santo Agostinho)

Igreja, família de Deus

Ao retirar Abrão da terra de seus pais, Deus o fez com um objetivo, um sonho: a Igreja. De fato, a Igreja é prefigurada no coração do Pai desde Abraão (cf. Catecismo da Igreja católica, §§ 759 e 781; e “… admiravelmente preparada na história do povo de Israel e na Antiga Aliança” – Constituição Dogmática Lumen Gentium, n. 2).

A Igreja é a resposta de comunhão do Pai à obra de divisão do diabolos (aquele que divide). De fato, os relatos bíblicos da Queda evidenciam a divisão como o grande fruto do pecado: Gn 3 – pecado original dos primeiros pais; Gn 4 – Caim e Abel; Gn 6, 5ss – Dilúvio; Gn 11 – Babel. O Diabo é aquele que divide, Deus é comunhão. Por isso, afirma o Catecismo da Igreja Católica que “a convocação da Igreja é, por assim dizer, a reação de Deus ao caos provocado pelo pecado(§ 761)Com a Igreja Deus cura a ferida da divisão do pecado, Ela é a congregação do povo em torno do Pai, que: “Convoca todos os homens, dispersos pelo pecado, para a unidade de sua família, a Igreja” (Catecismo, § 1).

Esse sonho de comunhão do Pai é fundado por Jesus e manifestado em Pentecostes. É interessante observar que Jesus chama essa nova realidade de ekklesía, tradução grega do hebraico qahal, expressão esta usada na Antiga Aliança para designar a assembléia de Israel, o povo reunido, conforme lemos em Dt 9, 10; 2Cor 6, 3; Dt 23, 3; Ne 13, 1. Na Sua última oração junto com Seus discípulos, Jesus centra Suas preces para que “todos sejam um como tu, Pai, estás em mim e eu em Ti, que eles estejam em nós” (Jo 17,21). O grande desejo de Jesus para Sua Igreja é a unidade, porque ela é por si mesma o resgate da unidade perdida pelo pecado. Na Igreja, o sonho do Pai se realiza, o caos da divisão é reordenado. É lindo enxergar Pentecostes como uma antítese de Babel: agora, povos diferentes estão unidos em torno da língua do Espírito.

Ser Igreja é viver o mistério da comunhão; é ser a família de Deus que é comunhão na Trindade. Talvez o maior escândalo que os cristãos dão ao mundo como Igreja não sejam as tristes quedas morais de uns e de outros, mas a divisão. Não é a santidade que nos faz ser Igreja, mas nossa comunhão em meio aos nossos pecados; e esse mistério nos santifica. Quando dividimos, estamos ferindo a essência, o coração de ser Igreja.

O Espírito nos socorre para a unidade

Se somos católicos conscientes, sabemos disso tudo. Mesmo assim, a comunhão é um grande desafio entre nós. E assim é porque Deus nos uniu na liberdade; e da liberdade decorrem escolhas. Nas escolhas existem gostos, valores e até ideias diferentes. Mas a liberdade que nos faz diferentes é a grande oportunidade de comunhão, porque é por meio da liberdade que escolhemos o amor. Uma coisa fica clara:  a comunhão é uma escolha.

Somos capazes de fazer essa escolha? Não, porque estamos no pecado. Nossos egoísmos nos forçam a nos fixar naquilo que é nosso, no meu particular, isolando-me do outro. As tentações contra a comunhão eclesial são inúmeras, mas duas sempre surgem com força. A primeira é o reducionismo eclesial à minha realidade particular: “um diz sou de Paulo, e outro, sou de Apolo” (1Cor 3,4). Essa tentação, tão comum aos carismas (Vida Consagrada, Movimentos e Novas Comunidades), mas de forma alguma exclusiva a eles, leva-nos a julgar que a Igreja autêntica acontece somente na minha realidade particular. Outra tentação advém da legítima pluralidade de visões político-sociais e eclesiais, mas, quando encerradas em trincheiras ou mesmo motivadas por vieses ideológicos, essa pluralidade dá curso a dolorosas rupturas eclesiais.

Quem irá nos socorrer? O Espírito de Pentecostes. Ele é capaz de unir liberdades diferentes. No relato de Pentecostes, vemos que o Espírito une povos diferentes sem suprimir suas individualidades, “pois cada qual os ouvia falar em seu próprio idioma” (At 2,6). O Espírito não suprime o individual ou suplanta a liberdade, mas Ele une as liberdades, Ele congrega as individualidades. O Espírito converte nossa liberdade e nos ensina a fazer daquilo que é nosso um dom para o outro; e isso é comunhão. Ele é Amor, aproxima os corações, Ele faz os ‘inimigos” perceberem-se irmãos como no adágio que nos fala do valor do diálogo: “Olhando à distância, eu enxergava um animal; aproximei me, percebi ser alguém; bem próximo, vi que era meu irmão”. Para que a Igreja viva a comunhão e seja aquilo que ela é chamada a ser, ela precisa de um perene Pentecostes. Somente Pentecostes tem essa força, a força que vence os egoísmos e faz das diferenças, que outrora dividiam, causa de comunhão.

Elevar o olhar para o Reino de Deus

Na busca pela unidade na Igreja parece existir sempre uma tensão entre o individual e o comum. A liberdade tantas vezes parece esgarçada entre essas duas realidades importantes. Não podemos abrir mão do comum, mas não podemos perder o individual. Não queremos a divisão, mas não queremos a uniformidade que suprime o particular e fere a liberdade.  Surge o desafio de uma unidade madura que gere verdadeira harmonia.  Em Pentecostes de 2013, o Papa Francisco nos ensinava: “Quem faz a harmonia na Igreja é o Espírito Santo… Só Ele pode suscitar a diversidade, a pluralidade, a multiplicidade e, ao mesmo tempo, realizar a unidade. Quando somos nós a querer fazer a diversidade fechando-nos nos nossos particularismos, nos nossos exclusivismos, trazemos a divisão; e quando somos nós a querer fazer a unidade segundo os nossos desígnios humanos, acabamos por trazer a uniformidade, a homogeneização. Se, pelo contrário, nos deixamos guiar pelo Espírito, a riqueza, a variedade, a diversidade nunca dão origem ao conflito, porque Ele nos impele a viver a variedade na comunhão da Igreja”.

A correria do dia a dia nos faz fixar os olhos naquilo que nos é particular. A primeira obra que Deus me confiou é a minha própria vida, minha família, meu carisma específico ou meu ministério particular. Essas realidades são meu cotidiano, são minha primeira missão. No dia a dia, para viver a unidade é preciso deixar que o Espírito eleve os meus olhos do meu particular, aprendendo a olhar para a Igreja, para o Reino de Deus. Ali enxergamos que o “meu particular” só tem sentido na medida em que se insere na Igreja e constrói o Reino de Deus. Com o “coração ao alto”, descubro que na comunhão dos santos não possuo somente meus dons, mas sou rico dos dons de toda a Igreja. Quando aprendemos a fazer isso, a liberdade vai descobrindo que entre o particular e o comum, entre minhas missões particulares e as realidades eclesiais, não existem duas escolhas, mas uma única, a escolha pelo Reino de Deus.

André Luís Botelho de Andrade
Fundador e Moderador Geral da Comunidade 

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