Diante do crucificado, cabe a nós a conversão

Estamos iniciando a quaresma, tempo de preparação interior e de profunda reflexão pessoal para encontrar o Crucificado, para subir a Cruz, para morrer e também ressuscitar.

Diante dos desafios de nossa vida, em especial dos mais difíceis, costumamos falar: “ai, essa é a cruz”, “puxa! Que cruz que Deus me deu”, “nossa essa cruz é muito pesada” ou, até mesmo, “aquele irmão é uma cruz para mim”.

Temos sempre a visão negativa da cruz. Lógico que ela não é fácil, pois é o lugar da morte, da dor, da renúncia e da humilhação. Deste modo, com tanta negatividade no mundo de hoje quanto à vida de oração, a ascese e a capacidade de se doar, é natural que situações exigentes sejam olhadas com amargor, tristeza e até repugnância:

Repugnância natural ao ver O Belo, desfigurado;
Repugnância natural ao ver a Fonte da vida, se esvair;
Repugnância natural ao não encontrar o Formoso rosto daquele que contemplamos em Glória;
Repugnância natural ao ver que não é a minha vontade a ser realizada;
Repugnância natural ao ver que não é a minha realeza a reinante.

Cruz o lugar do santo desconforto.

Hoje, escutamos de tantos – seja de coaches ou de pessoas com jargões na ponta da língua – que é necessário sair da zona de conforto. É necessário sair do sofá e ir ao encontro do desconforto. A cruz é a zona de desconforto pessoal!

O crucificado nos faz remeter que há um caminho após a cruz. Ela é a passagem, a chave de abertura ao novo tempo, o caminho seguro de encontro com Deus.

O crucificado nos leva a uma profunda reflexão.

Quão disposto eu estou para morrer para mundo e viver para Deus? O quanto estou decidido (e aqui não falo de cantar musiquinhas que aquecem o coração, que nos fazem chorar e sair, por vezes, flutuando em meio às situações) a tomar uma firme decisão por Ele? O quanto eu sei que Deus nunca se esqueceu de mim e, mesmo que as situações digam o contrário, tomo a firme decisão de amar o sofrimento, amar o irmão, amar o trabalho, amar o chefe e os colegas de trabalho e, inclusive, de amar a decisão de amar?

A cruz me leva a amar decididamente! A cruz é o caminho da conversão moral, sendo que por ela eu não sigo mais os conceitos que aprendi de minha família, de meus amigos e daqueles que adquiri pela experiência pessoal, mas sigo pela realidade moral da Sagrada Tradição, do Evangelho Vivo e do Deus do céu!

A cruz me desaloja, levando-me a uma profunda conversão que me faz ser generoso. Tal generosidade não diz respeito apenas a dar dinheiro ou tempo, mas a dar a minha vida para o outro, para a Igreja e, sobretudo, para Deus.

Neste segundo passo, a cruz converte nossos achismos apostólicos e pessoais: “Ah! As pessoas deveriam amar assim”, “fulano deveria servir ‘assado’”, “eu preciso dar mais tempo para Deus em tal pastoral”. Achismos que criamos, necessidades que vamos exigindo e, no fundo, Deus quer apenas nosso amor no trabalho.

Dizemos que amamos a Deus, vamos à Igreja, trabalhamos intensamente na pastoral, no apostolado, passamos um fim de semana evangelizando jovens, mas massacramos nosso colega de trabalho. Nem ao menos um “bom dia” lhe oferecemos com amor, contudo é necessário ser generoso na doação e amar como Deus ama.

“Amai-vos uns aos outros. Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros.Nisso todos conhe­cerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” Jo 13, 34-35

Por vezes queremos mais apostolados, mas não amamos nossa família. Usamos da vida apostólica e do serviço pastoral para fugir da “pequena igreja”, a nossa família e seus problemas.

Por vezes, escondemo-nos nas necessidades familiares –  que são lícitas e justas –, mas Deus quer que assumamos mais coisas, sendo que Ele proverá o tempo, o financeiro e o futuro de nossos familiares.

“Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas em acréscimo. Não vos preocupeis, pois, com o dia de amanhã: o dia de amanhã terá as suas preocupações próprias. A cada dia basta o seu cuidado” (Mt 6, 33-34).

Por fim, o crucificado nos leva a tal conversão pessoal em que nossa alma se torna esposa de Cristo. No amor esponsal, nossa alma se une em matrimônio com Cristo, tornamo-nos, assim, com Cristo. Dizemos, assim como Paulo, que é Cristo quem vive em nós e, deste modo, vivemos em Cristo (cf Gl 2,20).

Nesse ponto de conversão não há mais eu ou Cristo, somos um! Lógico que o pecado busca nos afastar de Deus, mas, como no matrimônio, é necessário refletir: onde estou me afastando do amor de Cristo?

Cruz, altar do matrimônio da Noiva com o Crucificado

A esponsalidade é a graça da alma convertida. A cruz, mais que dor, é o encontro com o Amado. É na cruz que, despidos de nós mesmos, encontramos o Cristo. A nudez já não mais envergonha, e sim une. A nudez de si, o deixar a própria miséria para que a Graça no encubra, atrai os olhares de Cristo.

“Ao vê-la, as donzelas proclamam-na bem-aventurada, rainhas e concubinas a louvam. Quem é esta que surge como a aurora, bela como a lua, brilhante como o sol, temível como um exército em ordem de batalha. Põe-me como um selo sobre o teu coração, como um selo sobre os teus braços; porque o amor é forte como a morte, a paixão é violenta como o Sheol. Suas centelhas são centelhas de fogo, uma chama divina. As torrentes não poderiam extinguir o amor, nem os rios o poderiam submergir” (Ct 6, 9b. 10. 8, 6-7a).

Nessa conversão, amar não é mais um esforço, mas uma necessidade. Amo porque sou profundamente amado. Amo porque sou amado até o ciúme.

A cruz é o fim para minha vida egoísta, mesquinha, desprezível e, assim, morrendo o homem velho, ressurgirá a Esposa de Cristo: bela, resplandecente e formosa. A cruz é o altar do casamento de minha alma resgatada do pecado com Cristo Rei e Vitorioso.

Que essa caminhada quaresmal nos leve a uma profunda conversão a tal ponto de nossa alma cantar a vitória de Deus, entoar Hinos ao Rei e recitar o canto nupcial ao Cordeiro Vitorioso:

 “Felizes aqueles que lavam as suas vestes para ter direito à árvore da vida e poder entrar na cidade pelas portas”, “O Espírito e a Esposa dizem: ‘Vem!’. Possa aquele que ouve dizer também: ‘Vem!’” (Ap 22, 14. 17ª).

Leonardo Araujo Pataro
Consagrado da Comunidade Católica Pantokrator

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