A vida dos santos é para nós um verdadeiro caminho trilhado por pessoas “normais” como nós, cheias de qualidades e defeitos, tendo em suas vidas muitos desafios e dificuldades a serem vencidos e que, assim como nós, tiveram um profundo desejo de felicidade e realização, desejo inalienável da verdade. Conduzidos pelo anseio de saciar essa sede, chegaram ao encontro com o Deus vivo, e através da conformação de suas vidas à Pessoa de Cristo Crucificado e Ressuscitado por amor a nós, eles nos ensinam como alcançar essa mesma perfeição, pois essa é a nossa mais alta vocação como filhos de Deus: identificarmo-nos com Cristo em tudo. Com o Beato Charles de Foucauld, não foi diferente.
Charles de Foucauld nasceu em Estrasburgo, na França, no dia 15 de Setembro de 1858, em uma família aristocrática, que tinha como lema “nunca para trás”. Acabou ficando órfão aos 6 anos de idade, sendo criado desde então pelo avô materno, um militar aposentado, que acabou lhe transmitindo muitos de seus valores. Além dessa influência recebida durante sua infância, a convivência com suas tias acabou por deixar marcado no pequeno Charles de Foucauld alguns elementos de sua religiosidade, que mais tarde, após sua conversão, vão aparecer em sua espiritualidade. Teve uma adolescência marcada pela rebeldia, pelos estudos de mestres iluministas e ateus, além do constante questionamento da existência de Deus, perdendo sua fé no ano 1874.
Com o objetivo de ser tornar militar, no ano de 1876, ingressa na escola de Saint-Cyr, onde acaba levando uma vida bastante desordenada, marcada por vários atos de indisciplina e excentricidade, o que foi agravado com o recebimento da herança de seu avô, que morreu em 1878, que ele vai aos poucos dilapidando em uma vida baseada no “carpe diem” (expressão em latim, que expressa que temos que aproveitar ao máximo nossa vida, sem limites, como uma justificativa para o prazer imediato e sem medo do futuro). Mais para frente, Charles de Foucauld vai escrever sobre sua vida, dizendo: “Eu me distanciava cada vez mais de vós, Senhor. Toda fé havia desaparecido de minha vida” (Retiro, em novembro de 1897). Após um tempo em Saint-Cyr, Charles de Foucauld é enviado para a Argélia, onde permanece por cerca de oito meses.
No ano de 1882, ele pede seu desligamento do exército e empreende uma viagem ao Marrocos, que resulta em um trabalho científico, recebendo por este uma medalha de ouro da Sociedade Francesa de Geografia. Contudo, essa viagem intensificou uma profunda inquietude interior que já havia iniciado, a partir do contato com o mundo muçulmano e sua religiosidade. O sentimento religioso, que parecia estar morto, renasce das cinzas no contato do deserto com a religiosidade muçulmana. Charles de Foucauld escreveu sobre esse momento: “O Islã produziu em mim uma profunda perturbação… A visão dessa fé, dessas almas vivas na contínua presença de Deus, fez-me entrever algo maior, mais verdadeiro que as ocupações mundanas…” (Carta de 8 de julho de 1901). Apesar do momento do reencontro verdadeiro com Deus não haver chegado ainda, ele já começa a se interrogar sobre a verdade.
Com todas as experiências vividas no deserto gravadas no mais profundo do seu coração, Charles de Foucauld instala-se em Paris, em fevereiro de 1886, próximo a sua prima Marie de Bondy. Tinha nessa época 28 anos de idade. Essa proximidade de sua prima vai contribuir de maneira particular para que ele se aproxime do centro de sua conversão, pois sua busca pela verdade é reforçada pela paz que sua prima lhe transmitia. Podemos ver o que seu interior vivia nesse momento, por tudo o que ele deixou escrito: “Já que esta alma é tão inteligente, a religião em que ela acredita tão firmemente não poderia ser uma loucura, como eu penso”. “Era preciso me informar sobre essa religião onde talvez se encontrasse essa verdade que eu desesperadamente procurava, e eu me disse que o melhor era tomar lições… Eu procurava um sacerdote instruído por me dar informações… Falaram-me de um sacerdote muito distinto, Padre Huvelin, que unia a uma grande instrução, uma virtude e bondade maiores ainda…”.
Assim, Charles vai à procura do Padre Huvelin com o objetivo de obter informações sobre a religião cristã católica, que pudessem responder seus questionamentos. Sobre esse momento, ele diz: “Uma graça interior extremamente forte me impelia: eu me coloquei a ir à Igreja, mesmo sem acreditar, não me encontrando bem senão quando estava lá e passando longas horas a repetir essa estranha oração: ‘Meu Deus, se Vós existis, fazei com que eu vos conheça’”. Padre Huvelin, ao invés de lhe dar informações, lhe diz: “Ajoelhe-se e confesse seus pecados” e em seguida lhe ministra o sacramento da comunhão. Essa experiência marca profundamente a conversão, assim como a vida de Charles de Foucauld e sela uma grande amizade entre ele e Padre Huvelin. Após essa experiência, ele tem pressa. Sente a necessidade de recuperar o tempo perdido e de se abandonar absolutamente em Deus. Ele se tornara alguém que desejava em tudo fazer a vontade de Deus, até a perfeição. “Assim que eu acreditei que havia um Deus, eu entendi que não podia fazer outra coisa senão viver só para Ele: minha vocação religiosa data da mesma hora que minha fé: Deus é tão grande, há tal diferença entre Deus e tudo aquilo que não é Ele”.
Com isso, ele deseja o mais rápido possível entrar em uma congregação religiosa para poder encontrar a perfeição que ele procurava. Padre Huvelin lhe aconselha antes a fazer uma peregrinação a Terra Santa, que acaba por lhe ajudar a descobrir que lá em Nazaré o Filho de Deus viveu uma vida humilde e escondida. Atraído pelo desejo de imitar o Cristo com todas as suas forças, Charles decide ser monge trapista, entrando no Mosteiro em janeiro de 1890. Aí, ele fica durante 7 anos, deixando a Trapa para retornar a Nazaré por mais 4 anos, morando à porta do Covento das Clarissas, buscando aí descobrir uma vida baseada na oração, no trabalho humilde e na vida escondida. Ele é aceito pelas Clarissas para trabalhar como doméstico. Nesse período, entre numerosas horas de adoração silenciosa e de meditação do Evangelho, compreende que para amar Jesus é necessária a participação em Seu trabalho redentor e que o Seu seguimento significa tornar-se irmão de todos, especialmente daquelas que não conhecem ainda o amor de Cristo.
Após 3 anos, impulsionado pelo desejo de imitar o Cristo na caridade, aceita ser ordenado sacertote. Sobre isso, ele declara: “Pelo simples fato de que eu celebrarei a Missa…, eu renderei a Deus a mais alta glória e farei aos homens o maior bem” (Carta de 26 de abril de 1900). “Uma só Missa glorifica mais a Deus, o que não faria o martírio de todos os homens unido aos louvores de todos os santos”. Em seguida, decide viver no deserto do Saara, buscando viver próximo dos povos nômades, desejando amá-los com sua vida e, através dela, mostrar o rosto de Cristo a eles. Vive próximo dos tuaregues, aprende sua língua e começa a traduzir o Evangelho em sua língua. “Continuar no Saara a vida escondida de Jesus em Nazaré, não para pregar o Evangelho mas para viver na solidão, na pobreza, no humilde trabalho de Jesus” (abril de 1904).
Funda a “União dos Irmãos e Irmãs do Sagrado Coração”, com o objetivo de trabalhar pela conversão dos homens através de um testemundo coerente, fazendo com que a religião cristã fosse conhecida em sua verdade por esse meio profético. Charles de Foucauld morre em 1º de dezembro de 1916, por ter sido alvejado por um tiro, estando sozinho no deserto, assim como buscou, desde sua conversão, ser uma alma escondida em Deus. Em uma carta a sua prima, Marie de Bondy, ele disse: “Nosso aniquilamento é o meio mais poderoso que temos de nos unir a Jesus e de fazer o bem às almas”.
A riqueza da espiritualidade deixada por Charles de Foucauld inspira até hoje homens e mulheres que possuem o desejo de colocar-se no seguimento radical de Jesus, doando suas vidas. Ao todo, o que podemos chamar de “Familia Espiritual” de Charles de Foucauld é composta por 11 congregações religiosas e 8 associações de vida espiritual. De tudo aquilo que ele deixou, o mais difundido em sua espiritualidade é a chamada “Oração do Abandono”. Que possamos, assim como Charles de Foucauld, traduzir em nossas vidas o que foi colocado em palavras nesta oração: “Meu Pai, a vós me abandono: fazei de mim o que quiserdes! O que de mim fizerdes, eu vos agradeço. Estou pronto para tudo, aceito tudo, contanto que a vossa vontade se faça em mim e em todas as vossas criaturas. Não quero outra coisa, meu Deus. Entrego minha vida em vossas mãos, eu vo-la dou, meu Deus, com todo o amor do meu coração, porque eu vos amo. E porque é para mim uma necessidade de amor dar-me, entregar-me em vossas mãos sem medida, com infinita confiança porque sois meu Pai”.
Fonte:
www.charlesdefoucauld.org
Leonardo José dos Santos
Discípulo na Comunidade Católica Pantokrator