Dizem que “louco” é aquele que perdeu a razão, o equilíbrio, as referências de como ser, estar e interagir no mundo, na sociedade. “Loucura”, para psicólogos, psiquiatras e outros que trabalham na área da saúde, especialmente à saúde mental, é um termo que tem sua utilização contestada, desaconselhada e até rejeitada, por uma série de justificativas apontadas em décadas de pesquisas e trabalhos de campo. No entanto, no senso comum, continua sendo utilizado para designar atos insanos que impedem até mesmo o convívio com os outros.
Apesar de serem termos bastante controversos, podem nos ajudar a refletir a respeito de algumas experiências nas quais estamos imersos e muitas vezes nem pensamos, fazendo para isso paralelos entre o que diz o senso comum sobre as definições dessas palavras e experiências que temos na nossa vivência da fé.
Vejamos: “louco” é tido como um indivíduo desequilibrado. E o que é o desequilíbrio, senão o afastamento do centro, do apoio, da referência? Quando me desloco do centro, perco equilíbrio e caio, fisicamente. Quando olhamos para a nossa vida espiritual, é assim também, se me afasto do centro da minha vida, que é o próprio Deus, perco a referência do bom, belo e verdadeiro, perco sentido da minha vida e caio.
“Louco” é também – no senso comum – aquele que perdeu a noção do que é certo e errado bom ou ruim, seguro ou perigoso etc, tanto para si quanto para os outros, oferecendo assim, um risco iminente. Do ponto de vista espiritual, quando alguém perde tais referências, afasta-se de Deus e pode afastar a outros também.
Por natureza, somos movidos para um sentido que nos dá uma direção, que nos leva para a descoberta, busca e realização dos objetivos e sonhos das nossas vidas e só conseguimos caminhar nesse sentido movidos pela fé.
Algumas pessoas julgam que ser movido pela fé é algo irracional, uma vez que a fé não se baseia em evidências ou em fatos comprováveis e, algumas vezes, nem mesmo lógica possui, afinal, como disse certa vez Santa Terezinha, “O amor não sabe calcular”, como se Fé e Razão fossem incompatíveis, como se não tivessem a mesma origem de todas as outras capacidades, seres, coisas, mecanismos naturais e sobrenaturais: Deus. Fé e razão são inerentes ao ser humano, só nós somos capazes de raciocinar e também de transcender, temos uma alma racional e uma alma espiritual, concedidas a nós pelo Criador, no momento da nossa concepção. Negar essa nossa condição implica perder a referência, o sentido; e nos afastarmos da Verdade, que está no centro de todas as coisas.
“A FÉ e a RAZÃO (fides et ratio) constituem como que duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus Quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de o conhecer a ele, para que, conhecendo-o e amando-o, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio” (São João Paulo II, Fides et Ratio, 1998).
Na sociedade contemporânea, temos uma supervalorização das explicações racionais, científicas, como se estas nunca pudessem ser contestadas, o que é contraditório, uma vez que é próprio da ciência ser contestada, é assim que ela avança. Coisas que há séculos seriam impensáveis, hoje são corriqueiras. O que diriam os gregos antigos diante da possibilidade de ter suas peças teatrais assistidas por pessoas do mundo inteiro ao mesmo tempo? Impossível! Pelo seu contexto cultural, eles sequer conseguiriam imaginar tais coisas, enquanto para nós é comum assistir a um filme lançado mundialmente.
Tantas vezes a busca por explicações e evidências para desafios e mistérios de toda ordem, se torna até agressiva e nos leva a questionar vorazmente todas as coisas. E com isso, questionamos inclusive a fé. E aqui não falamos apenas da fé enquanto meio para nossa relação com Deus, a fé sobrenatural, que é uma virtude teologal, mas a fé natural, capacidade humana de acreditar em algo que a sua razão não pode comprovar, motivada pela autoridade e experiência daquele que lhe fala. Faz parte da constituição humana transcender, crer no que não vê, não tem como viver sem ela. Nem tudo é passível de comprovação e reconhecer isso nos leva avançar a amadurecer. Aqueles para os quais tudo precisa ser evidenciado lançam-se numa busca sem fim, questionando a tudo e a todos.
O conhecimento nos leva além de nós mesmos, ou seja, leva-nos a transcender. Conhecer eleva a nossa razão na busca pela verdade. Este ímpeto está cravado no nosso coração e o caminho já nos foi dado, Jesus disse “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14, 6). Tantas e tantas vezes encontramos pessoas na busca incessante por colocar a razão acima da Fé ou até mesmo excluindo a fé, no entanto como um pássaro não consegue voar com uma asa só, assim também nós não conseguimos seguir, excluindo nem a razão tampouco a fé de nossas vidas.
Conhecer a verdade sobre si mesmo, ou apenas percorrendo o caminho nessa direção, confere ao ser humano o equilíbrio tão necessário de que falávamos há pouco. Diferente da busca por questionar as coisas da fé e os mistérios que nos são apresentados por Deus para que O encontremos. Deus Se manifesta por meio de Suas obras e há realidades que quanto mais conhecemos, mais mistérios encontramos. O próprio Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis, inclusive das capacidades humanas, nos oferece meios para encontrá-lo.
“Depois de ter encontrado a luz plena do amor de Jesus, descobrimos que havia, em todo o nosso amor, um lampejo daquela luz e compreendemos qual era a sua meta derradeira; e, simultaneamente, o facto de o nosso amor trazer em si uma luz ajuda-nos a ver o caminho do amor rumo à plenitude da doação total do Filho de Deus por nós. Neste movimento circular, a luz da fé ilumina todas as nossas relações humanas, que podem ser vividas em união com o amor e a ternura de Cristo” (Papa Francisco, Lumen fidei, 2013).
Carolina Vieira da Cunha
Discípula da Comunidade Católica Pantokrator
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