“Porque virá tempo em que os homens não suportarão a sã doutrina da salvação. Levados pelas próprias paixões e pelo prurido de escutar novidades, ajuntarão mestres para si. Apartarão os ouvidos da verdade e se atirarão às fabulas” (2 Tm 4,3-4). Creio que essas palavras de Paulo para Timóteo sãos cheias de significado para o nosso tempo. Palavras como castidade, virgindade, moral, radicalidade cristã, martírio, sacrifício foram execradas da cultura moderna e se tornaram insuportáveis, politicamente incorretas. Falar de castidade aos jovens, ou seja, assumir uma sexualidade responsável livre da promiscuidade moderna é cada vez mais desfiador.
É difícil falar sobre essas coisas, porque são muito difíceis de se viver hoje em dia. O mundo moderno se apartou a tal distância do Evangelho de Cristo que sua proposta se tornou inviável. Por exemplo, é inviável propor um amor perpétuo e fiel aos casais, ou que tenham muito filhos, pois essas coisas são impossíveis e, além disso, roubam a liberdade de viver. É inviável falar aos jovens que devam guardar a virgindade para o matrimônio, pois isso gera neuroses freudianas. É inviável falar de uma vida simples realmente desapegada dos bens, pois fere o direito – quase o dever – de possuir. É inviável o sacrifício da mãe que tem em seu ser uma criança não desejada ou mal formada, pois fere a dignidade da mulher. É inviável propor religiosidades comprometidas com o sofrimento do amor, e não tanto emotivas, pois não atrai ninguém. E ainda, é inviável propor aos casais em segunda união na Igreja que se abstenham da comunhão eucarística, pois é um desrespeito à liberdade religiosa. A radicalidade do Evangelho parece que a cada dia se torna mais inviável.
Diante disso, como a Igreja deve se portar? Surgem, então, novidades atraentes, como diz Paulo. Muitos propõem mudar os parâmetros do Evangelho, fazer novas leituras, propor um Jesus mais “humano”, ou ainda, uma fé mais fácil, talvez mais emocionante, ou ainda, economicamente mais próspera. Trata-se de um momento bastante difícil para a inserção da fé na história. O mundo interpela a todos, mesmo entre os mais piedosos, a novas interpretações da fé e da moral da Igreja, a novas seitas e teologias que vão se tornando verdadeiras “fábulas”, para usar a linguagem de Paulo no texto citado acima. Na verdade, nós mesmos, quantas vezes não nos sentimos atraídos e confusos diante dos sistemas consumista e materialista, erótico e promíscuo, supersticioso e agnóstico do mundo moderno? Quantas vezes não somos confundidos nessa massa de gente seduzida e induzida a toda uma estrutura de mentiras, ideologias que alicerçam nossa sociedade?
É hora de clamar o “Espírito da Verdade” prometido por Jesus, no Evangelho segundo São João. Somente Ele pode nos “convencer a respeito do pecado, da justiça e do juízo. Convencer o mundo a respeito do pecado, que consiste em não crer em mim. Ele convence a respeito da justiça, porque eu me vou para junto do meu Pai e vós já não me vereis; ele o convence a respeito do juízo, que consiste em que o príncipe deste mundo já está julgado e condenado” (Jo 16, 7-9). Ou seja, é o Espírito que nos convence do mal no mundo, o pecado; do bem na história, Cristo; e que o Bem já venceu o mal. Precisamos dessas convicções.
Digo convicções, pois temos um “conhecimento” disso, mas não estamos tão convencidos assim. Saliento o convencimento do Juízo, pois, às vezes, parecemos ter um juízo de que vale mais a pena o mundo do que Cristo, ou “apenas”, simplesmente, não estamos tão convencidos assim de que Cristo vale a pena, que é possível a mim e ao mundo hoje.
“Muitas coisas ainda tenho a dizer-vos, mas não as podeis suportar agora. Quando vier o Paráclito, o Espírito da Verdade, ensinar-vos-á toda a Verdade” (Jo 16,12-13a). Precisamos desse Espírito para suportar Cristo e Sua Verdade, pois, do contrário, Cristo é insuportável a nós hoje, como foi para os judeus em Seu tempo. Sem o Espírito, o jeito de suportá-l’O é crucificá-l’O em novas interpretações históricas da Pessoa de Cristo, onde se relativizam Suas palavras, colocando “panos quentes” em Suas propostas insuportáveis para o homem moderno.
O Espírito nos faz suportar e ser convencidos da Verdade, pois é Ele que inscreve em nossos corações o mistério de Deus escondido em Sua intimidade. Ele mesmo é O mistério de Deus porque Ele é Deus com Deus. Pelo Espírito, aquilo que os profetas anunciaram, o que Cristo revelou se inscreve em nossos corações. A festa de Pentecostes era a festa em que os judeus comemoravam o dom da colheita e também celebravam o dia em que o “Dedo de Deus” escreveu os Dez Mandamentos nas “pedras da Lei”. A conexão dos acontecimentos do Novo Testamento e do Antigo nos faz entender melhor esses acontecimentos. No dia dessa festa é que o Espírito desce e é derramado para a Igreja, acontecendo o Pentecostes cristão. O que acontece? Agora, o “Dedo de Deus” fere o coração dos homens e inscreve nele as Suas leis, a Verdade de Deus. Agora, a Verdade não é mais mera lei exterior, mas é sabedoria e força que impele o homem ao verdadeiro Bem gerando nele uma nova colheita, a colheita dos frutos do Espírito. Sim, agora o coração do homem é a terra onde Deus semeia e faz germinar a Sua Verdade, o verdadeiro amor. É nesse sentido que se entende o sonho de Deus manifestado pelo profeta: “Eis a aliança que, então, farei com a casa de Israel – oráculo do Senhor: Incutir-lhe-ei a minha lei; gravá-la-ei em seu coração. Serei o seu Deus e Israel será o meu povo. Então, ninguém terá encargo de instruir seu próximo ou irmão, dizendo: Aprende a conhecer o Senhor, porque todos me conhecerão, grandes e pequenos – oráculo do Senhor” (Jr 31, 33-34).
O Cristão de hoje precisa ser ferido pela Verdade para poder firmar seus gestos nessa verdade. Digo ferido, pois somente sob a dor da Verdade de Cristo em nosso peito é que seremos capazes de vencer as sutis mentiras do maligno. O Espírito tem essa propriedade de ferir o coração do homem e fazer “recordar” Cristo: “Mas o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ensinar-vos-á todas as coisas e vos recordará tudo o que vos tenho dito” (Jo 14, 26). Recordar aqui não é mera lembrança, mas é tornar vivas as Palavras de Cristo. É pelo Espírito que essas Palavras são atualizadas em nós e são proclamadas em nossos corações com a força da novidade, como se nunca se tivesse escutado algo tão encantador e empolgante. Sem o Espírito, as Palavras de Jesus são outras tantas em meio ao imenso repertório de sabedoria da humanidade. São palavras ditas há dois mil anos e recopiladas em livros que não têm maior significado, senão histórico, e como uma fonte de sabedoria. Com o Espírito, a Palavra de Jesus é única, é “A Palavra Eterna”, viva, proferida no hoje de nossa história e com a capacidade de gerar vida, frutificar os frutos do amor em nós, é realmente libertadora. Não é mera sabedoria, mas é A Sabedoria em nós que nos conduz à vida eterna.
Caro leitor, poderia ficar aqui escrevendo tantas dádivas do Espírito como aquEle que vivifica a Verdade de Cristo em nós. No entanto, é a hora do Espírito na Igreja. É hora de clamá-l’O como o fazia a Igreja em meio ao paganismo romano e às confusões dos mestres da Lei, para que, em meio à efusão desse Espírito, esse “Dedo de Deus” opere em nós a cirurgia que nos configura a Cristo, o Deus que Se fez homem para levá-lo a Deus e ensiná-lo a ser homem. É hora de, com o Espírito, decidir-se por Cristo.
André Luis Botelho de Andrade
Fundador e Moderador Geral da Comunidade Católica Pantokrator