Pare de buscar a si mesmo

A busca de si mesmo é muito importante para o nosso autoconhecimento, que por consequência precisa nos levar a uma maturidade humana. Sócrates, um dos filósofos mais antigos, já dizia: “Conhece-te a ti mesmo”. Se por um lado a pergunta “quem sou eu” requer um olhar interior, esse voltar-se para si mesmo e aí encontrar aceitação e sentido da própria existência, por outro, a resposta deve nos levar a uma descoberta: eu sou e existo para o outro.

A nossa busca pelo autoconhecimento não deve nos levar a um fechamento egoísta em si mesmo, mas sim ao amor. Existimos para a comunhão, somos chamados a ser dom na vida uns dos outros, e essa verdade enraizada na nossa existência humana dá sentido às nossas vidas e nos faz verdadeiramente felizes.

É triste perceber como esse chamado à comunhão foi se perdendo por causa do pecado e tornando o mundo ocidental cada dia mais egoísta e competitivo. Esses valores são cada vez mais fortes na nossa sociedade e o ambiente é cada dia mais individualista, o que leva o homem a viver isolado em si mesmo, indiferente às necessidades e sofrimentos alheios, como se não precisassem uns dos outros.

“Sou quem sou, porque somos todos nós!”

Você já ouviu falar de “Ubuntu”?[1] É uma filosofia africana que trata da importância das alianças e do relacionamento das pessoas, umas com as outras. Uma sociedade sustentada pelos pilares do respeito e da solidariedade faz parte da essência de ubuntu. Li uma história sobre um antropólogo que, ao estudar os costumes de uma tribo africana, quando terminou seu trabalho, sugeriu uma brincadeira para as crianças.

A ideia era pôr uma caixa bonita e cheia de doces embaixo de uma árvore e propor uma corrida entre elas; aquele que vencesse ganharia o bonito e delicioso presente. Quando ele disse “já”, todas as crianças se deram as mãos e saíram correndo em direção ao cesto. Dividiram tudo entre si, muito felizes.

Tal atitude o deixou surpreso e as crianças explicaram: “Ubuntu, tio. Como uma de nós poderia ficar feliz se todas as outras estivessem tristes?” Então, percebeu a essência daquele povo: não havia competição, mas sim comunhão. Temos tanto a aprender com eles!

“Há maior alegria em dar do que em receber” (At 20,35)

Sair de nós mesmos e ir ao encontro do outro é urgente e determinante para nossa felicidade, afinal, “há maior alegria em dar do que em receber” (At 20, 35). A boa notícia é que, ainda que estejamos marcados pelo pecado, nosso coração anseia por essa comunhão e continua sendo capaz de ser dom, como auxílio de Deus.

O segredo para a cura do nosso egoísmo e individualismo está no abandono nas mãos de Deus, na confiança plena e total na providência divina, daquele que se reconhece filho que tudo recebe do Pai, pois sabe que Ele já se doou inteiramente a nós por meio de seu filho Jesus Cristo. Neste sentido, sair de si mesmo e ir ao encontro do outro é o modo mais concreto de amarmos “Aquele que nos amou primeiro” (1 João 4,19).

A vida como dom passa a ser resposta ao amor que recebemos, um amor que não cabe só em nós e, por isso, transborda para a vida dos outros. É justo e necessário que eu me doe inteiramente a Ele, e essa entrega transbordante me faz experimentar uma profunda alegria. É uma fonte infinita de graças: quanto mais me dou, mais eu recebo, e quanto mais recebo, mais sou feliz e mais quero me dar.

É como está escrito: Coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou (Is 64, 4), tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que o amam“. (1 Cor 2, 9)

Peçamos à Virgem Santíssima, nossa mãe e intercessora, a graça de, abrasados por esse amor poderoso e surpreendente de Deus, a seu exemplo, nos levantarmos e sairmos “apressadamente” (Lc 1, 39) ao encontro daqueles que precisam de nós. Que junto dela sejamos portadores do amor e da alegria de Deus que impele cada um de nós a sair de si mesmo e seguir os caminhos do amor e da comunhão. Que ela nos ajude a sermos dom.

 

Vanessa Ozelin
Consagrada da Comunidade Católica Pantokrator

 

[1]Ubuntu significa: “Sou quem sou, porque somos todos nós!”

http://blogs.elpais.com/historias/2013/12/nelson-mandela-poder-ubuntu.html

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