A vida é um movimento constante. Se há vida estática, sem vigor, há uma vida morta. Desde que nascemos, nossa alma está em movimento. E para que isso seja possível, temos muitos motores, sendo que os primeiro e os mais primitivos deles são os nossos desejos. No entanto, não quero destacar aqui os desejos instintivos, como comer e dormir. Quero falar dos desejos que constroem e moldam os rumos de nossas vidas: desejo de uma aventura, desejo de amizades, de passar em alguma faculdade, de uma profissão, desejo de se casar e ter filhos.
Conforme crescemos, nossos desejos são cada dia mais amadurecidos pela nossa razão, experiências de vida, e uma vontade determinada. Naturalmente vamos construindo nossas prioridades e escolhemos focar nos desejos que se tornaram verdadeiros objetivos de vida. Isso é inevitável, todos passam, e é algo essencial para qualquer um. Quando queremos o Céu e a Deus, é a mesma coisa. O desejo autêntico de Deus nos impulsiona a tomar atitudes que nos levem até Ele. E uma coisa não anula a outra.
O desejo de Deus não anula os desejos terrenos. Pelo contrário, eles caminham juntos. Eu posso sonhar com uma profissão ou uma família, buscando a Santidade no meio de tudo isso. Profissionais santos, esposos santos e amigos santos estão em falta neste mundo. No entanto, sei que as coisas muitas vezes parecem não se encaixar. O que acontece quando esses dois desejos se chocam de frente? O que acontece quando meus desejos se tornam gigantes que me impedem de confiar na bondade do Senhor?
O perigo dos desejos
Tenho certeza de que, em algum momento, as situações que circundam você parece atrasar – ou até mesmo impedir – a realização dos seus desejos, naturalmente levando-o a culpar a Deus. Às vezes, parece que nada dá certo sem motivo aparente. Às vezes, você sente que Deus pede a espera e isso gera desespero. Ou às vezes, Ele conduz a sua vida por outros caminhos e você tem dificuldade de enxergar que Ele realmente te ama.
Aqui se encontra um perigo muito grande! Quando nossos desejos se tornam gigantes, ou até ídolos, nossa visão pode se tornar cega e podemos acabar nos distanciando do Pai. Existe uma linha tênue que define até onde nossos desejos cooperam com a busca do Céu e a partir de onde eles se tornam obstáculos. Se caso virarem obstáculos, é necessário parar e reordenar as coisas. Talvez esses sejam nossos inimigos mais difíceis, afinal, não são coisas de natureza má. O problema está em colocar nossos próprios planos como maiores do que os planos do Senhor.
Quando isso acontece, expõe-se a grandeza da nossa falta de confiança em Deus. De nada adianta proclamar com a boca que confiamos Nele, quando na prática não conseguimos abandonar a nós mesmos na Sua Vontade. Abandonar-se é um ato de ousadia, sim, pois muitas vezes não sabemos o que Ele tem nos preparado. Mas de nada adianta ficar estagnado, ponderando e pensando se não se chegará a conclusões. Só podemos experimentar a Bondade de Deus quando nos lançamos nela, sem nenhuma segurança. O medo, além de trivial, é necessário. A beleza de se abandonar é ir com medo. Aquele que renuncia a si mesmo, aos seus planos e desejos, e aposta no Pai é aquele que receberá as maiores graças.
Como Abraão e Isaac
Parece cruel um Deus que nos pede aquilo que mais podemos chamar de “nosso” nesse mundo. Mas, se nossos desejos terrenos tornam-se maiores que o desejo por Ele, Ele precisa nos fazer voltar ao caminho. Foi o que fez com Abraão, quando pediu que O entregasse seu único filho, Isaac, aquele que tinha desejado por anos. Abraão não hesitou em entregá-lo, ainda que nada fizesse sentido, ainda que doesse, ainda que fosse cruel, pois apostava Naquele que era maior que todas as coisas.
Quando foi sacrificar o menino Isaac, enfim, Deus interveio e disse que não era necessário. Ele viu que Abraão estava disposto a renunciar sua maior preciosidade por amor ao Pai e isso Lhe foi suficiente. O Senhor o devolve Isaac. E o Senhor nos devolve nossos desejos quando nos abandonamos Nele. Se queremos realizar nossos desejos a qualquer custo, há grandes chances de encontrar frustração no final.
Deus conhece seus desejos. E Ele não os teria colocado no seu coração sem nenhum motivo, ainda que muitas vezes Ele não nos “devolva” da maneira que pensamos ou queríamos. É sim possível que Ele tenha planos diferentes do seu, mas no fim você descobre que na verdade Deus é tão Deus que Ele conhece melhor o que seu coração verdadeiramente anseia do que você mesmo. No fim, descobrimos que os desejos de Deus sempre foram nossos desejos e não tínhamos nem ideia.
Como Davi e Golias
Portanto, se seus sonhos ainda são motivos de batalhas onde você luta para ser mais de Deus, lembre-se de tudo isso. Como dito, é possível que essas sejam as batalhas mais doloridas, mas as mais importantes para encontrarmos o Pai. Talvez abandonar seus desejos soe impossível, pois eles parecem ser extremamente maiores que você. Por isso, convido você a ser ousado como Davi, um jovem menino que se colocou para enfrentar Golias, um gigante que ameaçava o povo de Israel. Davi não teve medo de lutar com o gigante, proclamando: “Tu vens contra mim com espada, lança e escudo; eu, porém, vou contra ti em nome do Senhor dos exércitos, do Deus das fileiras de Israel, que tu insultaste.” I Samuel 17, 45.
Se teus desejos se tornaram gigantes, enfrente-os com a ajuda do Senhor! Ainda que soe esquisito, peça: Senhor, resgate-me de mim mesmo! Muitas vezes, precisamos repetir essa oração. Senão, iremos continuar nos sabotando, e isso pode nos custar aquilo que é mais importante: o Céu.
Giovana Cardoso
Postulante da Comunidade Católica Pantokrator