No Martírio há algo que o mundo não compreende. Algo que desafia a lógica do medo, algo que, para os olhos terrenos, parece loucura. Diante da lâmina, do fuzil, do fogo que consome sua igreja, ele não foge. Não grita. Não nega. Ele permanece. Permanece porque há algo maior do que a própria vida, uma verdade mais profunda do que a morte, um amor que supera até o instinto mais visceral de sobrevivência.
Esse amor tem um nome. Esse amor tem um rosto. Esse amor é Cristo.
A Síria e o Congo: Altares de um Novo Martírio
No silêncio trágico das igrejas destruídas na Síria e no Congo, ecoa um mistério que o mundo já não sabe mais explicar: o da entrega total, do sacrifício perfeito. Os cristãos desses lugares, ao verem sua fé ser testada no fogo da perseguição, poderiam fugir, poderiam renegar, poderiam ceder ao pavor e escolher a segurança. Mas não escolhem. Escolhem o amor.
Na Síria, onde os gritos dos inocentes são abafados pelo terror jihadista nas cidades da Latakia, Jableh e Banias, os cristãos se tornam alvos apenas por existirem. Igrejas são queimadas, homens católicos são arrastados para fora de suas casas e mortos publicamente, fiéis são violentadas frente de suas famílias antes de serem assassinadas. Muitos deles poderiam ter escolhido um caminho mais fácil, uma palavra de submissão para salvar suas vidas. Mas, em vez disso, disseram “sou de Cristo”, e esse nome foi a última palavra que pronunciaram.
Na República Democrática do Congo, o horror se manifesta de outra forma: o massacre silencioso. Setenta corpos foram encontrados decapitados recentemente em uma igreja na província de Ituri, mártires anônimos cujo sangue se tornou um grito contra a indiferença e silêncio ensurdecedor do mundo. Entre eles, mães e crianças, sacerdotes e leigos, todos unidos pelo mesmo amor que os sustentou no momento da provação.
O Mistério do Martírio: Quando a Cruz Se Torna Vitória
Para o mundo, esses homens e mulheres foram derrotados. A morte lhes tirou tudo. Mas, na lógica divina, que transcende nossa compreensão limitada, o martírio não é derrota, é triunfo. O mártir não perde nada, ele ganha tudo.
A essência do cristianismo nunca foi a autopreservação. Cristo não ensinou seus discípulos a se esconderem, mas a se oferecerem. Ele não prometeu segurança, mas uma cruz. O mártir compreende isso de um modo que muitos de nós jamais compreenderemos: sua vida já não lhe pertence. Como São Paulo, ele pode dizer: “Já não sou eu que vivo, mas Cristo que vive em mim” (Gl 2,20).
O mártir entende que há um amor mais forte do que a morte. Não um amor humano, frágil e condicional, mas o amor divino, aquele que consome a alma por inteiro, aquele que transforma a dor em redenção e a morte em semente de nova vida.
O Que Isso Nos Ensina?
Diante desses testemunhos, é impossível não nos questionarmos: que tipo de amor é esse que nos faz entregar tudo? Se os mártires da Síria e do Congo foram capazes de morrer por Cristo, será que nós somos capazes, ao menos, de viver por Ele?
Em um mundo onde ser cristão no Ocidente muitas vezes significa apenas ir à Missa por costume ou murmurar orações distraídas, o martírio de nossos irmãos nos lança um desafio: nossa fé é autêntica? Nossa vida está verdadeiramente entregue a Deus?
O sangue dos mártires é um chamado à conversão. Não podemos mais viver um cristianismo morno, acomodado, confortável. Se há cristãos que morrem por amor a Cristo, devemos ser cristãos que vivem por esse mesmo amor.
O mártir nos ensina que não há verdadeira vida fora de Cristo. Que, no fim das contas, não há maior alegria do que entregar-se totalmente Àquele que nos amou primeiro.
O Sangue Que Grita Para o Céu
Os mártires da Síria e do Congo não são apenas vítimas. Eles são testemunhas. Seu sangue clama, como o de Abel, pedindo justiça diante de Deus (Gn 4,10). Mas, acima de tudo, ele grita para nós, nos despertando de nossa tibieza, nos chamando a um amor maior, nos recordando que seguir Cristo significa dar tudo, sem reservas.
Que seu testemunho nos faça renascer. O seu sacrifício nos converta. Que, ao invés de lamentarmos sua morte, celebremos sua vitória.
Porque, para os que amam Cristo mais do que a própria vida, a morte não é o fim. É apenas o começo.
Ana Clara Cardoso
Postulante da Comunidade Católica Pantokrator