A dureza do coração é preocupante; podemos ver claramente nas Escrituras como a dureza dos homens entristecia Jesus. Como tudo em nossa vida demanda prática e constância para sermos considerados bons, na vivência do amor não poderia ser diferente: para vivê-lo, precisamos sempre estar atentos a oportunidades de exercê-lo e isso requer um coração inflamado de amor por Deus. É por isso que Jesus nos mostra Sua tristeza ao olhar para o coração do homem que se endureceu, pois isso significa que ele parou de amar ou que sua chama de amor está tão tímida que não incendeia mais, não consome sua vida, não dá sentido aos seus dias.
Não podemos negar que, depois de certo tempo de convivência com alguém ou até mesmo em nossa caminhada com Deus, declaramos que essa chama naturalmente se enfraquece pela monotonia dos dias, os problemas, conversas rasas e preocupações começam a ganhar espaço demais e nos deixam cansados, muitas vezes sem um motivo aparente. Parece que o entusiasmo e o amor perderam a graça e somos tomados pelo tédio. Nossa vida cotidiana já não nos diz nada, não nos revela mais um sentido.
Mas, será que essa dureza do coração é causada apenas pela repetição das coisas?
Na realidade, não. Temos provas disso em todos os lugares, basta ter um olhar atento. Eu mesma conheci um grande sacerdote já na velhice que todos os dias fazia suas obrigações paroquiais, mas a cada encontro que eu tinha com ele, era renovada na minha juventude, era transformada pela chama de amor que ainda o consumia nitidamente diante dos meus olhos. Quantas vezes esse sacerdote já me foi testemunho de amor simples e surpreendente ao vê-lo dar a volta na igreja rezando o santo Rosário. Simples tarefa, mas era grande o amor que o movia. A dureza não havia alcançado aquele coração, pois ele estava entregue demais aos seus afazeres diários para a perceber chegar.
O mal não está na repartição das coisas e muito menos na rotina, e sim na inércia que vem da maldade do nosso coração, que nos deixa presos em movimentos egoístas, cegos para a eterna novidade das coisas mínimas vividas com amor. “Fazei tudo por amor; assim, não há coisas pequenas, tudo é grande”, nos diz são Josemaría Escrivá em seu livro “Caminho”. Fazer tudo por amor significa que encontramos o verdadeiro Amor, Aquele que Se fez homem e morreu por nós e é Ele que nos dá um ideal de vida pelo qual vale a pena lutar, vale a pena sofrer, pois um coração sem um ideal e sem esse encontro fica gasto, envelhece, é vencido pela dureza.
Chamados a semear o Amor
Um exercício simples para percebermos isso é lembrar de um professor que tivemos e admiramos. Acho que todos já tiveram um professor assim: a pessoa que você sabia que fazia aquilo de que gostava, que buscava sempre uma solução e não descansava até dar o que tinha de melhor, a pessoa que quando fala do que faz, seu olhar se enche de brilho, cresce não em uma soberba, mas na humildade de quem sabe o que está fazendo. Agora, pense em um professor que marcou sua vida de uma forma negativa, que só de escutar a sua voz já dava sono, a pessoa que sempre reclamava, irritadiça, ninguém conseguia escutar o que ele tinha pra falar porque ele mesmo não conseguia se escutar. Percebe onde está a grandeza de um coração que ama e a dureza de um coração roubado pelo dia a dia? Os dois tinham praticamente a mesma rotina. A diferença está na vocação, que é um chamado de Deus para desempenhar um papel no mundo, que é só nosso. A Vocação é consistente, não passa e não está baseada em emoções e sentimentos momentâneos; ela é quem dá forma e sentido a nossa entrega diária.
Assim, podemos subir as escadas do amor a Deus e do amor ao próximo, aprendendo a desempenhar todas as nossas tarefas cotidianas como uma oportunidade de cumprir a nossa missão e vocação dada por Deus, podemos nos entregar com uma generosidade mais alegre, e viver a constância daquele que se sabe livre das coisas terrenas, pois seu coração está ancorado no céu e não poderá ser tomado pela dureza. “A vocação cristã consiste em transformar em poesia heroica a prosa de cada dia; na linha do horizonte parece que se unem o céu e a terra, mas não, onde na realidade se juntam é no coração quando se vive santamente a vida diária” – ensina-nos mais uma vez São Josemaría Escrivá. Que a cada noite possamos fazer o exercício de meditar que, se no dia que se passou, vivemos no amor ou apenas passamos como robôs pela nossa rotina. Que tenhamos ânimo para ser surpreendidos pelo amor e para surpreender no amor, estar atento à necessidade do próximo e dar a Deus durante todo nosso dia delicias cotidianas, como: visitar o sacrário, rezar o terço, ajudar quem precisa. Assim percebemos que o amor e a rotina são o berço dos grandes santos.
Juntos até o céu!
Tayná Barbosa
Postulante da Comunidade Católica Pantokrator