Desde o dia 03 de dezembro de 2023, com o início do novo ano litúrgico, entrou em vigor no Brasil o texto da atualização do Missal Romano. Muitas pessoas foram pegas de surpresa com a mudança, enquanto outras mal puderam perceber as modificações. Mas, afinal, o que há de diferente? E por que mudou?
Em primeiro lugar, é preciso explicar o que é o Missal Romano. Trata-se de um livro litúrgico muito importante para a Igreja Católica, uma vez que é utilizado para a celebração da Santa Missa. É necessário lembrar que o Sacrifício Eucarístico (a Missa) é o maior tesouro da Igreja: é a celebração na qual o próprio Cristo se faz presente em seu Corpo e Sangue e atualiza a oferta pela qual somos salvos!
Desde os seus primórdios, a Igreja sempre dedicou uma especial atenção ao rito litúrgico. Uma Missa não pode ser celebrada “de qualquer jeito” e nem deve ser palco de “improvisos” por parte do celebrante. Existe todo um caminho a ser percorrido, com preces bem específicas, momentos importantes, palavras essenciais.
Por exemplo: se o padre resolver alterar por conta própria a fórmula da Consagração, o sacramento eucarístico simplesmente não acontece! Essa é a importância de se ter um Missal: o sacerdote possui em mãos um manual completo indicando o que deve fazer e falar para que o Sagrado possa se fazer presente.
A importância de uma boa liturgia
Não pense que as orações e os ritos presentes no Missal são algo sem importância. A Igreja sempre ensinou o seguinte adágio: “Lex orandi, lex credendi”, que significa “a lei da oração é a lei da fé”. Em outras palavras: a forma como você reza geralmente determinará a forma como você crê.
Um exemplo ajudará a deixar mais claro: durante a celebração da Missa, são inúmeras as frases e gestos que nos levam a adorar o Corpo e o Sangue de Cristo. Nós nos ajoelhamos durante a Consagração; o padre faz inúmeras reverências e genuflexões; há todo um cuidado no manuseio dos objetos litúrgicos; a âmbula que vem do sacrário é coberta com um véu; até a música de Comunhão tende a nos levar a uma exaltação do Sacramento.
Todo este conjunto de coisas nos leva, naturalmente, a entender que existe algo sublime sobre o altar. Não é necessário que o padre faça uma reflexão em toda Missa para ensinar que Jesus está presente, o próprio rito nos leva a isso e somos como que mergulhados neste mistério. Essa é a beleza da liturgia!
Agora imagine uma liturgia pobre, sem gestos, com orações mal elaboradas e com improvisos diversos. Não há dúvidas de que isso afetará a fé da comunidade e diminuirá o valor do Sagrado. Vejam a importância de se ter um Missal bem ordenado!
Por que mudou ?
Inicialmente, é preciso lembrar que a Igreja tem um idioma oficial: o latim. Alguns torcem o nariz para este fato, dizendo que o “latim é ultrapassado”. No entanto, o fato de o latim ser uma “língua morta” (ou seja, de não ser utilizado por nenhum país atualmente) é justamente o que o torna seguro. Significa que o sentido das suas palavras não se modifica com o tempo – como ocorre no português, no inglês, no espanhol…
Todos os documentos oficiais da Igreja são publicados inicialmente em latim e somente depois é que são traduzidos para a língua vernácula de cada país. Isso vale igualmente para o Missal Romano.
No ano de 2002, o papa São João Paulo II promulgou uma nova edição do Missal Romano (em latim) e pediu que as Conferências Episcopais de cada país fizessem uma nova tradução, visando uma maior fidelidade ao latim original. A tradução que usávamos no Brasil (até ano passado) havia sido promulgada em setembro de 1991 – e, segundo os especialistas, não era uma tradução muito boa…
Devido ao pedido do papa São João Paulo II, uma equipe passou a fazer todo um trabalho de tradução e revisão do texto do Missal Romano, o que deve ter sido muito difícil. Afinal, imagine o cuidado para se traduzir termos teologicamente corretos. O tempo deste trabalho foi de quase 20 anos!
E agora ficou pronto. Portanto, diferente do que muitas pessoas sugeriram por aí, a Igreja no Brasil não publicou um “Novo Missal”, mas uma nova tradução do Missal que já vinha sendo utilizado – o que o deixou muito melhor e mais adequado em seus termos técnicos. Foi uma excelente notícia!
Que mudanças foram essas ?
O principal esforço desta nova tradução foi manter uma fidelidade maior ao latim original. Ou seja, muitos termos e repetições (que haviam sido suprimidos da tradução anterior) agora passam a constar dos ritos e das orações. Além disso, houve a adição de muitas coisas, tais como as celebrações de santos canonizados recentemente (como Santa Dulce dos Pobres e de São Frei Galvão), novas festividades, prefácios, formulários, etc.
É bem verdade que muitas das alterações serão pouco sentidas pela assembleia em geral, já que fazem parte dos textos lidos apenas pelo sacerdote. A Liturgia Eucarística I (também chamada de “Canon Romano”) foi uma das mais modificadas, tendo ficado muitíssimo mais bela e reverente, à semelhança do latim.
Mas, para os ouvidos mais atentos, é nítido o crescimento da qualidade e da beleza das orações. Veja uma diferença: na “oração da coleta” do 1º Domingo do Advento, o padre terminava simplesmente dizendo: “[…] Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo”. Agora, com a nova tradução, o padre terminará dizendo: “[…] Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus, e convosco vive e reina, na unidade do Espírito Santo, por todos os séculos dos séculos”.
Os leigos sentirão mais as mudanças em partes específicas, tais como:
– Na tradução antiga, o padre dizia logo após a Consagração: “Eis o mistério da fé”, enquanto a assembleia possuía diversas possibilidades de resposta. Agora, o padre tem três opções: “Mistério da fé”, “Mistério da fé e do amor” ou “Mistério da fé para a salvação do mundo” – e cada uma delas possui uma resposta definida.
– No ato penitencial, dizíamos antes: “[…] Por minha culpa, minha tão grande culpa”. Agora, à semelhança do latim, dizemos: “[…] Por minha culpa, por minha culpa, minha tão grande culpa”;
– As respostas da assembléia durante a Oração Eucarística também sofreram alterações;
– Acrescentou-se uma nova forma de induzir a oração do Pai-Nosso, tomada da rica tradição do rito ambrosiano.
Portanto, devemos acolher com alegria a nova tradução e buscar celebrar com ainda mais devoção os sagrados mistérios – para o bem da nossa própria alma e pelo bem de toda a Igreja.
Que Deus nos abençoe sempre !
Rafael Libório
Consagrado da Comunidade Católica Pantokrator