“– O luxo é bonito – argumentou ela –, eu gosto de tudo o que é bonito.
– Mas e daquilo que é belo? – perguntou ele.
– É meio complicado, não compreendo.”
Este diálogo entre as personagens Zinaída e Lúchin, é um trecho do conto “O Primeiro Amor”, do escritor russo Ivan Turguêniev. Enquanto eu lia o conto, esse pequeno diálogo chamou muito a minha atenção, porque bonito e belo não são tidos como sinônimos, o belo é incompreensível, enquanto o bonito é acessível, banal e satisfatório.
“Bonito” é a forma, som, cor, que agrada os sentidos, ele para aí. Já a beleza é a virtude, caráter que manifesta aquilo que é verdadeiramente belo, que provoca êxtase através dos sentidos, ela traz admiração e louvor. Vai muito além daquilo que o bonito provoca, porque a beleza é a totalidade da verdade e é a que expressa o divino, é absoluta. Por isso fazemos dela cada vez mais incompreensível e distante, pois nos acostumamos com o pouco que agrada mais o primeiro de nós, os sentidos.
A cultura do bonito, é a cultura do medíocre e a grande máscara da cultura do feio!
Cultura do feio
No livro “O Senhor dos Anéis”, Tolkien – o escritor – criou criaturas que eram a expressão do mal, da feiura e do decrépito, os Orcs. E eles eram realmente horrorosos, com uma caracterização que assusta e enoja, e muito disso quer representar a nós como o mal, o Inimigo, é efetivamente deformado e feio. Mas, efetivamente, o mal não se apresenta a nós como Orcs, não nos aborda como o paradoxo da beleza, pois sabe que isso não atrai. Então, ao invés de se mostrar como o oposto da verdade, seduz-nos como uma meia verdade, ele aparece como o bonito.
A beleza é o resultado da complementariedade magnânima entre o humano e Deus, é o mais puro êxtase da verdade. Para ficar mais claro, podemos pensar que o “bonito” é a atração que vem só do homem, e falta a relação com o Senhor para chegarmos à beleza. E o mal, na sua feiura, que quer nos separar de Deus, distorce o feio como bonito, e nos passa a ideia de que isso basta, que só nossa humanidade é suficiente, não precisamos da beleza que vem do Cristo, e passamos a viver a cultura do bonito, o culto ao homem e a sua limitação.
E na prática?
Tudo isso pode parecer muito abstrato né? Então onde que encontramos a cultura do bonito e do feio, em nossas vidas?
Pode parecer um exemplo muito bobo e tonto, mas esses dias eu estava conversando com meu namorado sobre o que é ser íntimo e eu disse: “nossa, um ano de namoro e a gente nunca soltou pum na frente do outro, falta intimidade aí.”, e ele fez um comentário que me chamou a atenção – que inclusive me incentivou a escrever esse texto – “Ana, isso aí é a cultura do feio, as pessoas tem uma necessidade de tornar bonito o que não é, nós não vamos ser mais ou menos íntimos pelo pum, mas vamos ser mais ou menos respeitosos um com o outro por ele”. É até engraçado escrever sobre isso, mas é verdade!
Soltar pum é algo natural e claro que não tem nada de feio nisso, e pode ser que escape um dia, mas provocá-lo na frente do outro é falta de educação e de castidade, não é caridoso com o outro. E hoje, isso é tido como meta de relacionamento, pela intimidade que isso incumbe. Percebe que é muito sútil a normalização do feio, passado como bonito por ser algo “natural e humano”? Eu não estou aqui tentando problematizar as flatulências de ninguém, mas precisamos ficar muito atentos com a relativização e distorção do belo, que cai em bonito, que maquia o feio.
Bonito x Beleza
E a beleza não diz respeito a um padrão estético – não é na ideia da Antiguidade Clássica grega de que o belo é simétrico, harmônico e proporcional –, nem do tipo dos corpos, ou algo do tipo, mas sim daquilo que comunga com a magnanimidade, com Deus, e que nos leva para Ele, aquilo que é belo é bom, para o corpo e para a alma. A beleza promove o êxtase no humano, através dos sentidos, mas que vai muito além deles, ela atravessa o humano, no seu intelecto e emoção e a funde com o Espírito.
Há beleza na arte, nos relacionamentos, na língua, nos filmes, na escrita, no dom de si, na música, culinária, esportes, natureza, ciência, nas redes sociais, nos livros, na história, no antigo e, principalmente, no novo. Tudo pode resplandecer a beleza! E o belo não está só nas coisas de Deus ou da Igreja, há muito belo no singular, que quando realizado fiel a verdade, amor e bondade – mesmo que inconscientemente – reflete a beleza complementar entre homem e Cristo.
Que eu e você sejamos da cultura do belo, e não acostumados ao bonito, que nós não paremos no culto a nossa humanidade e limitação, mas que nos permitamos viver o êxtase que a beleza tem a nos proporcionar nessa vida, e muito mais na eternidade. Que o Espírito Santo nos guie a enxergar e a buscar sempre o belo.
Ana Clara
Engajada na Comunidade Católica Pantokrator